segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Sociologia da saúde e da doença – alguns aspectos

healthImage via Wikipedia


António Campos

A área disciplinar conhecida, hoje em dia, por sociologia da saúde e da doença é o resultado de uma evolução considerável desde que a sociologia começou a prestar atenção sistemática à medicina e à doença na década de 1950. Então a atenção da disciplina centrava-se sobretudo na profissão médica e nos locais onde os médicos exerciam a sua actividade, como o hospital, onde se podiam encontrar, simultaneamente, os indivíduos que padeciam de patologias agudas. A disciplina ficou, por isso, conhecida como sociologia da medicina, praticada sobretudo nos EUA (para Portugal, v. Carapinheiro 1991 e 1993).

Nos anos 70, a sociologia começou a formular outras interrogações e a procurar diferentes objectos de estudo. Por um lado, elegeu como prioridade o estudo das desigualdades sociais perante a doença e a morte. Esta mudança foi possibilitada por uma convergência com a epidemiologia, tendo a sociologia deixado de se centrar no hospital e na profissão médica para se concentrar nos contextos familiares e profissionais enquanto esferas de produção e reprodução da assimetria de recursos materiais e psico-sociais que protegem ou tomam os indivíduos vulneráveis à doença. Por outro lado, emergiu o interesse pelo estudo das doenças crónicas quando se tomou claro que os avanços da medicina e dos cuidados de saúde não conseguiam dar resposta definitiva a doenças que, com o envelhecimento da população, começaram a marcar a condição humana a partir das idades mais avançadas.

Dois eixos constituem hoje a sociologia da saúde e da doença (Arqué 1997, 20-21). O primeiro é o das desigualdades, que privilegia uma abordagem macrossociológica e o uso de metodologias quantitativas; o segundo é o da experiência da doença, que privilegia, por seu turno, uma abordagem microssociológica e o uso de metodologias qualitativas. O presente estudo desenvolve-se, basicamente, no eixo dos estudos das desigualdades sociais perante a saúde e a doença, alargando-se, todavia, às atitudes e opiniões do conjunto da população, independentemente do seu estado de saúde, sobre essas mesmas questões.

O desenvolvimento da disciplina deve-se ainda à evolução das dinâmicas de funcionamento dos sistemas de saúde e das suas relações com a esfera política, económica e social. Com efeito, na segunda metade do século xx, as sociedades da área geocultural em que Portugal se integrou, sobretudo após o 25 de Abril de 1974, conheceram progressos importantes em quatro dimensões relacionadas, de forma mais ou menos directa, com a saúde e a doença:
- Na dimensão demográfica, assistiu-se no século XX a uma descida da mortalidade infantil e ao controlo das doenças infecciosas (responsáveis pelas altas taxas de mortalidade nos séculos precedentes), daí tendo resultado um aumento muito forte e rápido da esperança média de vida;
- Na dimensão política, se já no século XIX houve movimentos empenhados na mudança das condições de vida a fim de reduzir a mortalidade, só na segunda metade do século xx: se institucionalizou, com o chamado «Estado-providência», um compromisso político de promoção do bem-estar da população, tendo a saúde passado a fazer parte das prioridades da maioria dos governos dos países desenvolvidos;
- Na dimensão médica, embora se discuta a importância exacta dos avanços da medicina e do crescimento dos cuidados de saúde na queda das taxas de mortalidade, é consensual que os progressos verificados nesses dois campos contribuíram para melhorar a qualidade de vida dos indivíduos, reduzindo a dor e o incómodo associados à experiência da doença;
- Na dimensão sociocultural, assistiu-se nas sociedades desenvolvidas - tanto ao nível das condições materiais de vida (subida real dos salários, melhorias na habitação e urbanismo, etc.) como das condições culturais (aumento da escolaridade, etc.) - a progressos muito consideráveis na prevenção da doença e na promoção da saúde(…).

Um dos principais traços da sociologia da saúde e da doença é, assim, o seu carácter multidimensional. Estas passaram a ser pensadas como conceitos complexos, onde adquirem importância tanto os aspectos relacionados directamente com as afecções físicas e psicológicas como as dimensões sociais e ambientais. Conforme os objectivos específicos de cada estudo, é necessário, portanto, prestar atenção a aspectos entre os quais se incluem, para além da possível existência de doenças específicas, o estado psíquico, os hábitos individuais de promoção e prevenção da doença, o nível social e económico, as condições ambientais, o acesso a cuidados de saúde e a informação associada a estes, em suma, todos os factores que podem influenciar, directa ou indirectamente, o estado de saúde das pessoas.

As necessidades sanitárias da população, bem como as vias adoptadas para satisfazer essas necessidades, não são, portanto, questões exclusivamente médico-científicas(…).

O Estado da saúde em Portugal, Manuel Villaverde Cabral e Pedro Alcântara Silva, Ed. ICS – Junho 2009 (adaptado)
Enhanced by Zemanta

Sem comentários:

Enviar um comentário