sexta-feira, 24 de junho de 2011

Se a UE quisesse minimizar os custos da crise...

European UnionImage by ana branca via Flickr



António Campos


... já tinha decretado ajustamentos temporários à Política de Coesão (PC) da UE. Os chamados 'fundos estruturais' que são transferidos a partir de Bruxelas para promover investimentos em educação, factores físicos e imateriais de competitividade das empresas e infrestrutruras e equipamentos colectivos nas várias regiões representam apenas 0,4% do PIB da UE. É uma ninharia quando comparado com o que se passa noutros contextos (como os EUA), ainda assim, eles têm impacto significativo nas economias menos avançadas da União. Por exemplo, em Portugal eles representam uma média de 3 mil milhões de euros por ano (perto de 2% do PIB) no período 2007-2013.

Um dos princípios básicos da PC é o chamado 'princípio da adicionalidade', segundo o qual os países se comprometem a co-financiar os investimentos apoiados pelos fundos europeus com base em recursos nacionais, demonstrando que o seu esforço de financiamento não diminuiu por haver outras fontes de financiamento disponíveis. Em circustâncias normais, este é um bom princípio, já que assegura que a PC acrescenta aos esforços de desenvolvimento dos países, em vez de os substituir. Num contexto político e financeiro como o actual, porém, os benefícios do princípio da adiconalidade não são tão óbvios. Para que os Estados aumentem o seu esforço orçamental, visando co-financiar os investimentos apoiados pela PC sem por em causa outros investimentos, é necessário obterem recursos para tal. Uma forma de os obter é recorrem a crédito, aumentando assim o défice orçamental e a dívida pública - opção hoje inviável pelas dificuldades de acesso ao crédito e pelas metas impostas pela própria UE sobre os valores do défice e da dívida. A alternativa seria aumentar a carga fiscal, o que implicaria aumentar as pressões contraccionistas sobre a economia.

Neste contexto, as economias que mais teriam a beneficiar da PC têm de fazer a opção entre abdicar das verbas disponíveis (ou, pelo menos, adiar investimentos cuja pertinência é proporcional às verbas previstas pela PC), ou reforçar a austeridade num momento de crise social crescente.

A solução para este paradoxo não é difícil de descortinar: a UE deveria abdicar dos princípios da adicionalidade e do cofinanciamento da PC. Não estaria a aumentar o défice de ninguém (já que os fundos estão disponíveis) e permitiria que as economias mais frágeis desenvolvessem políticas de investimento (público e privado) sem necessiadade de aumentar a carga fiscal. Isto não resolveria a crise, mas diminuiria a sua profundidade e os seus custos sociais. Mas,
 como temos repetido, minimizar os custos da crise e potenciar o desenvolvimento a prazo das economias da UE não parece estar entre as prioridades dos seus responsáveis políticos.

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(Ricardo Paes Mamede)
Nov.2010

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sexta-feira, 17 de junho de 2011

O mito do self-made man

Image representing Bill Gates as depicted in C...Image via CrunchBase



António Campos


Aconteceu na América. No princípio, era o caçador que passava meses sozinho na floresta para de vez em quando voltar à cidade e vender as peles parcialmente curtidas dos animais que apanhara. Depois, as famílias que se aventuraram em pequenos grupos dum lado ao outro do continente, lutando sem auxílio de ninguém contra a natureza e contra as populações locais, para quem a noção da terra como propriedade privada era pura e simplesmente inconcebível. Mais tarde ainda, o cowboy,  herói da grande saga que constituiu a condução das grandes manadas de gado, ao longo de milhares de quilómetros, entre os ranchos do Sul e os centros de consumo a Norte. Como protagonista social relevante, o cowboy existiu apenas durante o curtíssimo período que mediou entre a formação das grandes explorações pecuárias e o estabelecimento das linhas férreas pelas quais o gado passou a ser transportado; e já antes disso a sua actividade começara a ser dificultada pelo arame farpado que lhe foi impedindo cada vez mais o caminho à medida que se multiplicavam as explorações agrícolas.

Toda esta gente precisava, para sobreviver, duma enorme independência de espírito e duma enorme capacidade de ultrapassar, sem ajuda organizada, as dificuldades que lhe fossem surgindo. Compreende-se, portanto, que a imagem que construíram de si próprios incluísse um grau de auto-suficiência muito superior ao que a realidade justificava.

O caçador de peles não poderia subsistir sem a base industrial que lhe fornecia uma boa parte dos instrumentos do seu ofício - por muito inventivo que fosse na fabricação de muitos outros. E muito menos subsistiria sem as cidades onde trocava as suas mercadorias pelas outras de que necessitava - cidades estas que não eram mercados espontâneos, mas sim sociedades organizadas politicamente. Os pioneiros tinham na sua retaguarda uma base industrial ainda mais complexa, que lhes fornecia as bigornas de ferreiro que levavam nas carroças, os aros das rodas, as armas e munições, os diversos produtos da indústria de curtumes, etc. E, se não eram tão independentes economicamente como imaginavam, também não o eram politicamente: quem se encarregou de o provar foram as suas mulheres e a contínua pressão que exerceram para que se formassem as instituições indispensáveis a uma sociedade organizada, ou seja, política: as igrejas, as escolas, as polícias, os tribunais, o Direito.

O self-made man não existe. Um Bill Gates que tivesse vivido numa caverna há dez mil anos nunca teria inventado o software que deu origem à Microsoft e à sua fortuna. Para Bill Gates chegar aonde chegou, foi necessário que incontáveis gerações trabalhassem para produzir a agricultura, a metalurgia, a escrita, a geometria, a matemática, a numeração árabe, o Direito codificado, a imprensa, os instrumentos ópticos, o contrato social em que se baseia o Estado moderno, a navegação, o comércio internacional e intercontinental, as academias, as sociedades científicas, as universidades, as bibliotecas , as estradas, as comunicações à distância, a electricidade e a electrónica - e muitas outras coisas, em tal número que não podem ser contadas.

Muitas destas coisas foram produzidas ou mantidas no âmbito daquilo a que se chama hoje sector privado; outras, no âmbito do sector público; mas a maior parte teve origem em sociedades e culturas em que a distinção entre público e privado nem sequer fazia sentido.

Por muito que o mérito individual de Bill Gates tenha sido condição necessária do seu êxito, não foi, nem de longe, condição suficiente. Ele próprio reconheceu este facto quando, ao doar grande parte da sua fortuna, declarou que estava simplesmente a restituir o que devia à sociedade (recordo-me bem do escândalo que esta declaração causou aos jovens puristas do neoliberalismo português).

Conheço, como toda a gente conhece, pessoas que correspondem grosso modo à noção vulgar de self-made man.  E estes exemplos poderão aparentemente justificar uma objecção ao que escrevi acima, nomeadamente: a minha definição é demasiado restrita; ninguém diz que o self-made man se faz sozinho.

Um dos problemas com esta objecção é que uma definição mais ampla seria inútil para os objectivos ideológicos da direita neoliberal; quem a usa com este objectivo usa-a no mesmo sentido restrito que eu pressuponho aqui. De alguém que se "faça a si próprio" com a ajuda da sua circunstância não se pode afirmar, racionalmente, que não deve nada a ninguém ou que os impostos que lhe são exigidos são um confisco.

Acresce que a ideia do self-made man é insultuosa para quem pretende elogiar: dizer que quem fez uma fortuna se fez a si próprio é dizer que um ser humano não é mais nem vale mais do que a sua fortuna. Mas se os próprios não se ressentem do insulto, porque me hei-de eu ressentir?

https://blogger.googleusercontent.com/tracker/7013405610039526108-7061421683235076463?l=legoergosum.blogspot.com
JOSÉ LUIZ SARMENTO
Nov2010

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terça-feira, 14 de junho de 2011

OMS, pobreza e políticas de saúde

Rocinha favela Rio de Janeiro 2010Image via WikipediaAntónio Campos


A A Organização Mundial de Saúde (OMS) acaba de publicar o Relatório de 2010 da saúde no mundo. O conteúdo é vasto e diversificado quanto a temas e perspectivas sobre as políticas de saúde. A propósito dos gastos de saúde de cidadãos, refere: “cerca de 150 milhões de pessoas sofrem catástrofes financeiras anualmente e 100 milhões são forçadas a viver na pobreza”.

Admito a precisão de análise da OMS quanto aos números referidos. No entanto, pergunto: “Quantos cidadãos, nos vários cantos do mundo, estão impedidos anual e definitivamente de recorrer a serviços de saúde, por falta de recursos ou, dito de forma mais crua, pelas condições de pobreza extrema em que vivem?”.
Com efeito, lendo e relendo o Relatório da OMS, não encontro resposta. Apercebo-me, sim, de que se trata de mais um exercício exaustivo de ideias e retóricas antigas, subscritas desta vez pela Dra.Margaret Chan, Diretora Geral da organização. Nada, pois, de distinto relativamente a diagnósticos, teorias e propostas da OMS em anteriores consulados.

Quem, de forma honesta, se interesse pela saúde e a perspective como um direito legítimo e universal de qualquer cidadão do mundo, não pode resistir à revolta face ao vazio de orientações e exigências, de sentido pragmático, da OMS sobre fenómenos epidemiológicos da SIDA em vastas áreas da África subsariana ou, em complemento alternativo, à venerabilidade perante a doença de numerosas comunidades da Ásia e da América Central e do Sul.

Seleciono, como paradigma, a favela ‘Rocinha’ no Rio de Janeiro, ilustrada através da imagem acima reproduzida. É uma das favelas mais populosas do mundo: cerca de 100.000 habitantes, embora a ‘Wilkipédia’ mencione apenas 60.000. Tão grande que teve direito ao luxo de dependência bancária e de um ícone do capitalismo norte-americano, um restaurante McDonalds.

Na Rocinha, grande parte das habitações não tem as condições mínimas de salubridade, nem sequer simples janelas. Diariamente, em média, são detectados 30 novos casos de tuberculose, em crianças e adultos. O Ministério da Saúde brasileiro, através da Fundação Oswaldo Cruz tem desenvolvido, no terreno, luta intensa no sentido da prevenção e combate à doença. Todavia, os meios financeiros são insuficientes. E é justamente neste domínio que o Relatório de 2010 da OMS falha estrondosamente. Limita-se a estereótipos. Não é possível reclamar a satisfação de direitos de saúde da humanidade, sem condenar e exigir de forma eficaz o fim do modelo económico neoliberal, em voga nos últimos anos e com negativas repercussões na falta de saúde de milhões e milhões de seres humanos, no planeta. Uma desumanidade globalizada e trágica.

Quanto ao que Portugal diz respeito, creio que o governo que temos e o que nos espera seguirá na mesma onda. Os grupos de saúde privados estarão protegidos e as populações carenciadas que se amanhem.

Carlos Fonseca
Nov.2010

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terça-feira, 7 de junho de 2011

SER, TER OU APARECER

DSC_1558_36076Image by asterix611 via Flickr



António Campos


O que as pessoas mais valorizam em suas vidas? Cada indivíduo possui sua escala de valores, porém existem valores que são dominantes em determinada sociedade e determinada época. Na sociedade escravista da Idade Antiga ou na sociedade feudal, da Idade Média, valores radicalmente diferentes dos nossos eram dominantes, isto sem falar nas sociedades indígenas. Assim, os indivíduos formam seus valores no processo das relações sociais e por isso eles são constituídos socialmente. O que resta saber é quais são os valores dominantes na nossa sociedade, sociedade capitalista, em seu estágio atual.

O valor dominante hoje é o ter e o aparecer. As pessoas não se preocupam fundamentalmente com o que são e sim com o que possuem e o que aparentam. O ter é fundamentalmente propriedades, posses, mercadorias, dinheiro, status, poder, etc. Ter um carro do ano, ter uma roupa de grife, ter uma mesa sofisticada, etc., é mais importante do que ser uma pessoa que trabalha com o que gosta, pois, se fizesse, não poderia ter o que tem. É preciso o trabalho que dá mais dinheiro e pode deixar o indivíduo ter. Porém, o ter é vazio, a única satisfação real é a percepção que os outros têm da pessoa. Como no livro de Saint-Exupéry, O Pequeno Príncipe, nunca se pergunta se a pessoa é feliz, etc., e sim o que ela tem, qual seu status na sociedade. Aqueles que não têm, querem parecer que tem. Assim, a sociedade moderna é marcada pelo reino do ter e das aparências.

Na sociedade moderna tudo vira mercadoria, tudo passa a ser objeto de compra e venda. Ao comprar a mercadoria, a pessoa passa a tê-la, a possuí-la. Antes do capitalismo, na sociedade feudal, assim como nas sociedades indígenas, as pessoas produzem não mercadorias e sim valores de uso, produtos para satisfazer suas necessidades. Na nossa sociedade, não se produz para consumir diretamente e sim para trocar, vender, e assim adquirir dinheiro e também comprar. O capitalismo se sustenta através da exploração do trabalhador, que produz o suficiente para pagar o seu salário e custos de produção e cria um mais-valor, um excedente, que é apropriado pelo capitalista. Este só realiza o processo de produção devido a isso, a esse excedente que vai lhe permitir o lucro. Com o passar do tempo, tudo vai sendo transformado em mercadoria, até o corpo humano.

Essa situação tem solução? Sim, porém, isto depende do indivíduo e da sociedade em seu conjunto. O indivíduo pode lutar contra si mesmo e superar os valores dominantes do ter e do aparecer, passar a valorizar não a competição, o sucesso, a riqueza, e sim as pessoas, as atividades prazerosas, o desenvolvimento de suas potencialidades físicas e mentais, o que, sem dúvida, é extremamente difícil nessa sociedade, que produz inúmeros obstáculos para tal. Assim, este mesmo indivíduo deve buscar também e fundamentalmente a transformação social para romper com estes obstáculos e com as bases desta sociedade produtivista e consumista. Ajudar a constituição de uma nova sociedade, fundada na igualdade e liberdade, a autogestão social, é o caminho para superar as bases da supervalorização do ter e do aparecer e revalorização do ser.

https://blogger.googleusercontent.com/tracker/2853066084626329497-3505756049754355532?l=informecritica.blogspot.com
Nildo Viana
Nov.2010

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