sexta-feira, 30 de abril de 2010

A humildade

NYC - Metropolitan Museum of Art - Death of So...Image by wallyg via Flickr


António Campos

Uma lição de sabedoria com o pensador que tinha consciência de sua própria ignorância.

O filósofo grego Sócrates foi um dos poucos personagens históricos que mudaram os rumos do pensamento humano sem ter deixado uma única linha por escrito. Outros membros desse seleto clube são Buda e Jesus Cristo; ao contrário deles, Sócrates não fundou religião alguma, mas sua vida e personalidade estão até hoje cercadas por uma aura de mistério muito próxima à dos místicos e dos santos (no Islão medieval, aliás, ele era conhecido como o “profeta da Grécia antiga”). Considerado por alguns historiadores como o fundador da filosofia ocidental, ele é até hoje uma das figuras mais controversas e obscuras na história das ideias: tudo o que sabemos sobre ele é um punhado de fatos esparsos, relatados nas obras nada imparciais de seus fervorosos discípulos e seus igualmente entusiasmados detratores. O amor e o ódio a Sócrates, por sinal, são dois vetores constantes na história da filosofia: um jogo de veneração e repulsa que já rendeu muito polémica metafísica.

Grande parte do que sabemos sobre Sócrates está contido na obra de seu discípulo mais famoso, Platão – nos textos conhecidos como Diálogos, ele retratou as incansáveis discussões filosóficas entabuladas pelo mestre. Uma das questões mais espinhosas na história da filosofia é, precisamente, fazer a distinção entre o pensamento de Sócrates e o de seu discípulo-biógrafo. Contudo, por mais difícil que seja determinar o teor exato das ideias socráticas, o que ninguém nega é a importância descomunal do método de filosofar empregado por ele: a dialética ou, tirando em miúdos, a arte do diálogo. Para compreendê-la, é preciso dar uma olhadela no fascinante mundo em que Sócrates viveu e filosofou – a Grécia do século 5 a.C.

Quando Sócrates nasceu, por volta de 469 a.C., os gregos haviam acabado de derrotar a Pérsia – a superpotência expansionista da época – nas chamadas Guerras Médicas. O triunfo militar abriu as portas para um dos períodos mais férteis da civilização ocidental. Atenas tornou-se senhora de um vasto império marítimo e centro de uma cultura efervescente. Por meio de uma série de reformas políticas, os atenienses aperfeiçoaram o sistema de governo que haviam adoptado no século 6 a.C.: a democracia. A cada mês, os cidadãos com mais de 30 anos se reuniam em uma grande Assembleia para debater leis e escolher magistrados. Cada um tinha o direito de defender suas ideias em discursos públicos. Por isso, a arte de falar bem – para convencer, para dissuadir ou mesmo para enganar – tornou-se uma das ocupações favoritas entre os atenienses de todas as classes.

A arte do diálogo - é nesse contexto que surgem os sofistas – trupe de intelectuais itinerantes que, em troca de remunerações graúdas, ensinavam as manhas da retórica aos jovens atenienses com ambições políticas. Até então, a filosofia grega ocupava-se principalmente de assuntos cosmológicos, como a natureza dos astros e a origem do universo. Os sofistas mudaram essa equação: para eles, o objeto da reflexão filosófica era o próprio homem. Foi um sofista chamado Protágoras quem cunhou uma das frases hoje utilizadas para descrever o espírito daquela época: “O homem é a medida de todas as coisas”. Outra grande inovação introduzida por eles foi o uso do diálogo como método de reflexão e persuasão. Até então, pensadores e políticos costumavam deslindar suas ideias em longos monólogos, emitidos do alto de tribunas, para audiências que podiam interferir apenas com aplausos ou apupos. Já os sofistas preferiam exibir suas habilidades lógicas e seus floreios argumentativos em debates cara a cara, em que dois ou mais interlocutores se digladiavam na defesa de ideias opostas. Esse método dinâmico e vivaz fez grande sucesso em meio à juventude ateniense, que acorria em pencas para assistir aos animados duelos de eloquência protagonizados por Protágoras e sua turma.

Em meio às entusiasmadas audiências dos diálogos sofistas, havia um sujeito pobretão, excêntrico e dono de uma feiura proverbial. Antes de ganhar celebridade como filósofo, Sócrates já era famoso como o maior esquisitão de Atenas. Filho de um escultor e de uma parteira, ele se dedicou por alguns anos ao ofício do pai. Mas, ao que tudo indica, o patrono da filosofia ocidental não era, digamos, um sujeito muito trabalhador. Sua principal ocupação era sondar a alma humana, e pouco tempo lhe restava para questões rotineiras, como ganhar a vida. Costumava andar pelas ruas de Atenas metido em roupas puídas, com as grandes barbas descabeladas e sempre perdido em reflexões. Às vezes, tinha acessos de abstração que pareciam loucura: em determinada ocasião, passou mais de 24 horas parado ao relento, entregue a alguma complexa ponderação metafísica. Também afirmava ouvir uma voz misteriosa que lhe ditava regras de conduta – entre outras coisas, esse estranho anjo da guarda teria proibido Sócrates de se envolver em política (para o filósofo, nenhum homem justo pode enveredar por esse escuro pantanal da atividade humana sem perder a alma ou a vida).

Sócrates aprendeu a filosofar assistindo às preleções dos sofistas, mas logo acabou afastando-se dos antigos mestres. Com o tempo, o desgrenhado pensador compreendeu que o excesso de truques retóricos de seus concidadãos servia muitas vezes para ornamentar mentes vazias (qualquer semelhança com o universo académico de hoje não é mera coincidência). Cheia de intelectuais falastrões e de políticos oportunistas, Atenas havia se tornado uma cidade excessivamente satisfeita consigo mesma – e Sócrates decidiu que caberia a ele fustigar a soberba de seus contemporâneos. Mas, para abraçar plenamente sua vocação à insolência, ele precisou de um empurrãozinho divino.

Quando confrontados pelos aspectos mais obscuros ou espinhosos da existência, os antigos gregos costumavam consultar os deuses (naquela época, não havia psicanalistas). Para isso, existiam os oráculos – locais sagrados onde os seres imortais se manifestavam, devidamente encarnados em suas sacerdotisas. Certa vez, talvez por brincadeira, um ateniense perguntou ao conceituado oráculo de Delfos se haveria na Grécia alguém mais sábio que o esquisitão Sócrates. A resposta foi sumária: “Não”.

Saber e não saber – o inesperado elogio divino chegou aos ouvidos de Sócrates, causando-lhe uma profunda sensação de estranheza. Afinal de contas, ele jamais havia se considerado um grande sábio. Pelo contrário: considerava-se tão ignorante quanto o resto da humanidade. Após muito meditar sobre as palavras do oráculo, Sócrates chegou à conclusão de que mudaria sua vida (e a história do pensamento). Se ele era o homem mais sábio da Grécia, então o verdadeiro sábio é aquele que tem consciência da própria ignorância. Para colocar à prova sua descoberta, ele foi ter com um dos figurões intelectuais da época. Após algumas horas de conversa, percebeu que a autoproclamada sabedoria do sujeito era uma casca vazia. E concluiu: “Mais sábio que esse homem eu sou. É provável que nenhum de nós saiba nada de bom, mas ele supõe saber alguma coisa e não sabe, enquanto eu, se não sei, tampouco suponho saber. Parece que sou um tanto mais sábio que ele exatamente por não supor saber o que não sei”. A partir daí, Sócrates começou uma cruzada pessoal contra a falsa sabedoria humana – e não havia melhor palco para essa empreitada que a vaidosíssima Atenas. Em suas próprias palavras, ele se tornou um “vagabundo loquaz” – uma usina ambulante de insolência iluminadora, movida pelo célebre bordão que Sócrates legou à posteridade: “Só sei que nada sei”.

Para sua tarefa audaz, Sócrates empregou o método aprendido com os professores sofistas. Mas havia grandes diferenças entre a dialética de Sócrates e a de seus antigos mestres. Em primeiro lugar, Sócrates não cobrava dinheiro por suas “lições” – aceitava conversar com qualquer pessoa, desde escravos até políticos poderosos, sem ganhar um tostão. Além disso, os diálogos de Sócrates não serviam para defender essa ou aquela posição ideológica, mas para questionar a tudo e a todos sem distinção. Ele geralmente começava seus debates com perguntas diretas sobre temas elementares: “O que é o Amor?” “O que é a Virtude?” “O que é a Mentira?” Em seguida, destrinçava as respostas que lhe eram dadas, questionando o significado de cada palavra. E continuava fazendo perguntas em cima de perguntas, até levar os exaustos interlocutores a conclusões opostas às que haviam dado inicialmente – e tudo isso num tom perfeitamente amigável. Assim, o pensador demonstrava uma verdade que até hoje continua universal: na maior parte do tempo, a grande maioria das pessoas (especialmente as que se consideram mais sabichonas) não sabe do que está falando.

Para muitos ouvintes, o efeito do diálogo socrático era a catarse – uma experiência de purificação espiritual em que as portas do autoconhecimento se escancaram.
Deixando de lado a casca das ideias preconcebidas e os clichês, o discípulo estava pronto para a perigosa aventura de pensar por si mesmo. Às vezes, os argumentos desse conversador incansável eram tão azucrinantes que alguns ouvintes o atacavam no meio da rua, com chutes e pontapés. Perante tais indignidades, ele se limitava a responder com invulnerável ironia: “Não se costuma revidar contra os jumentos que nos escoiceiam”.

Tamanha independência de espírito pode ser algo bem arriscado – tanto na Antiguidade quanto hoje em dia. As patotas políticas não sabiam como lidar com aquele homem que questionava e irritava a todos com o mesmo sorriso de implacável gentileza, sem se deixar aliciar por ninguém. Em 399 a.C., seus desafetos conseguiram levá-lo a julgamento. O filósofo foi acusado de desrespeitar os deuses oficiais da cidade e de “corromper a juventude”: na prática, o que estava sob ataque era sua mania de fustigar a tudo e a todos sem pruridos. Ameaçado com a pena de morte, ele retrucou: “Ninguém sabe o que é a morte. Talvez seja, para o homem, o maior dos bens. Mas todos fogem dela como se fosse o maior dos males. Haverá ignorância maior do que essa – a de pensar saber-se o que não se sabe?” Com sua recusa a retratar-se perante a assembleia, o filósofo foi condenado a morrer por envenenamento. No dia de sua execução, reuniu- se com os amigos, trocou pilhérias e, naturalmente, entregou-se a discussões filosóficas. O carcereiro, ao lhe trazer a taça com cicuta, estava chorando. Mas Sócrates tinha os olhos secos. Bebeu o veneno como quem toma um remédio, despediu-se dos amigos com cavalheiresca tranquilidade e deitou-se na cama, como se fosse dormir. E só então seu génio insolente se calou.

O “vagabundo loquaz” de Atenas foi a primeira figura célebre na história do pensamento a morrer por suas ideias – e sua execução é um dos mitos fundadores da filosofia ocidental. A relevância de Sócrates, contudo, transcende o universo dos filósofos especializados ele se tornou, em grande medida, um modelo de conduta humana. Sua modéstia, numa época de vaidade intelectual, é um aviso aos navegantes de todos os séculos: por mais poder e desenvolvimento que uma civilização tenha atingido, o fato é que, no fundo, continuamos todos humanamente estúpidos. E a negação de nossa própria estupidez pode transformar-nos em monstros. Escapar à ignorância congénita da espécie é possível, sim – mas essa é uma tarefa que não se realiza sozinho. A verdade (se é que ela existe) só pode surgir pelo confronto direto e implacável (mas sempre amigável) entre duas ou mais criaturas racionais. Pensar por si mesmo e a si mesmo, olhando no espelho do outro: eis a lição aparentemente simples, mas hoje tão esquecida, legada por uma das figuras mais intrigantes na história da humanidade.

José Francisco Botelho
Sócrates
Um dos fundadores da filosofia ocidental, o pensador morreu em 399 a.C. Como Buda e Cristo, que não deixaram escritos, Sócrates é conhecido hoje pelos textos de seus discípulos. A trajetória de Sócrates é uma cruzada contra a falsa sabedoria. Sempre amigável, o filósofo demonstrava o quanto ainda sabemos tão pouco dos mistérios da vida.

PARA SABER MAIS
O Julgamento de Sócrates, I.F. Stone, Companhia de Bolso Apologia de Sócrates, Platão, L&PM Pocket
Fonte: Revista Vida Simples




Reblog this post [with Zemanta]

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Europa em transição

European Union Parliament, StrasbourgImage by BlatantNews.com via Flickr


António Campos

Ao contrário do que acontece na América Latina, onde a crise tem levado à coordenação e à integração dos governos dos principais países da região (como tem demonstrado em vários momentos no Mercosul, Unasul, Alba, o Urupabol, a recente conferência de Cancun), a mesma crise na Europa está contribuindo para a sua desintegração. Na verdade, os mais países fortes (Alemanha, França), estão descarregando sobre os outros o peso da crise para tentar manter a estabilidade política e social que estão comprometidos de qualquer maneira. Em contraste, os países médios como a Espanha ou Itália, sofrem com a crise pois é o acumular dos problemas não resolvidos em anos anteriores. E os pequenos países, como a Grécia ou Portugal, ou outros mais distantes (Letónia, Lituânia, Estónia, Islândia, por exemplo) estão-se afundando sob o peso do desemprego, o crescimento da emigração, as dívidas impagáveis (mas brutalmente reivindicados pelo financeiros alemães e holandeses, os ingleses são os principais beneficiários das datas de empréstimos a governos e indivíduos).

A base do problema é que a união da União Europeia começou por ser uma capital europeia e de Governo e de uma moeda imposta, e é uma federação democrática de nações. O mesmo problema foi agravado quando o capital financeiro imposto sobre os recém-chegados à União Europeia ou países candidatos à adesão absurda e brutal das políticas neo-liberais que tinham que aplicar uma força, mesmo à custa de tornear os números e empurrar o resultado para frente, como fez o grego, usurários de direito do banco Goldman Sachs. E formou um núcleo duro da União Europeia (Franco) e do grupo de Inglês chamado depreciativamente de suínos (pige)(porcos, pois as iniciais de Portugal, Itália, Grécia e Espanha), que acrescenta a multidão de candidatos que serão expulsos da UE (como proposto pelo primeiro-ministro alemão, Angela Merkel), por não serem capazes de reduzir a sua dívida pública, inferior a três por cento ou incapazes de pagar suas dívidas.

Além disso, muitos países, incluindo Espanha, Bélgica, Ucrânia, Países Bálticos e Itália, têm grandes minorias nacionais e são, na realidade multilingues e estados multinacionais. A crise nas articulações põe em causa a estrutura nacional do Estado, que normalmente é centralizada, enquanto o capital financeiro e, politicamente, as instituições da UE, em Bruxelas, exercem um forte poder de atracção para as nações mais ricas, sobre as capitais do Estado-nação em crise. Assim, a crise económica e social que coloca os trabalhadores contra o capital, adiciona uma crise nacional onde há ainda espaço para o racismo e a xenofobia. Isso constata-se entre valões e flamengos na Bélgica, o norte da Itália é racista e anti-centralista virada a sul, a maioria dos italianos e os espanhóis estão a cair nas garras do ódio aos estrangeiros e imigrantes, Le Pen em França, as forças de reconquista, com base em racismo e localismo, parte dos ucranianos (do Ocidente) é contra a outra vai (a Russified oriental) no mesmo sentido nos países bálticos.

A questão das nacionalidades deformadas distorce a luta social e dá uma base muito perigosa para movimentos de massa reaccionários e fascistas.Felizmente, até agora, são por sua própria natureza, relutantes em se apresentar como a grandeza do objectivo lendário de uma nação unida sob o ataque da plutocracia internacional como o fizeram na década de 30, o Mikado, o fascismo e o nazismo, mas são um factor poderoso, contra a unidade das vítimas do sistema e na busca de uma solução anticapitalista. As soluções europeias propostas e até os sindicatos e a social-democracia são a aceitação por parte da esquerda tradicional dos critérios de Maastricht impostas pelas grandes empresas e a falta de forças socialistas anti-capitalistas com uma envergadura que permite a disputa da hegemonia cultural política e do capitalismo, também estão actuando na mesma direcção.
A Europa está como um pântano, o que é uma zona de transição entre o continente da dominação total do passado e do actual capital financeiro do outro lado, cuja forma e proximidade não sequer são vislumbradas.

Há bases para o protesto popular crescer e superar o desespero, a desmoralização e a apatia que actualmente caracterizam a situação na maioria das regiões da Europa, onde ninguém quer ou pode manter sua vida anterior, mas ninguém vê como superar a crise . Na Islândia, formando assembleias e comités populares e impondo um referendo popular, o povo decidiu não pagar as dívidas dos bancos suportados pelos ricos e os especuladores, mas que os leva a ser excluídos da UE. Na Grécia, as manifestações e greves ocorrem gritando para não pagar a plutocracia. Ou seja, há potencial para a massa de auto-organização e à execução de uma alternativa política ao capitalismo. É possível confrontar as partes, as instituições, a repressão do estado, começar a organizar uma frente unida de oposição às exigências do capital financeiro, uma força democrática. Mas é também a possibilidade de uma revolução conservadora, racista, fascista. As eleições francesas mostram que os eleitores da direita clássica ou vão para a extrema-direita, ou abster-se, mas também onde o novo partido ao lado do anti-capitalista Frente de Esquerda, ambos foram reforçados enquanto isolamento sectário que enfraquece toda a esquerda da social-democracia para que esta possa ser a espinha dorsal da oposição.

Guillermo Almeyra
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=102710
Traduzido e adptado do espanhol


Reblog this post [with Zemanta]

segunda-feira, 26 de abril de 2010

O 25 de Abril 36 anos depois

Portuguese Government poster from the mid-70s ...Image via Wikipedia


António Campos

Euforicamente desde o início, por parte da classe política coadjuvada pelos meios de comunicação social de dimensão nacional à evocação, sublime, por parte de quem materialmente lucrou com a Revolução, os trinta e seis anos do 25 de abril, trouxeram aspectos positivos mas também negativos. Façamos nós, também, um balanço daquilo que foi, paradoxalmente falando, a revolução feita com cravos.

O golpe militar de à trinta e seis anos, porque foi disso que se tratou, foi desejado por diferentes sectores políticos e pela burguesia ansiosa pela integração do país no capitalismo ocidental. Apesar de tudo o que se seguiu, o golpe teve origem no descontentamento dos capitães do exército por razões de salários, de promoções e pela situação já insustentável da greve colonial.

Na manhã do 25 de Abril, os militares avisaram a população para ficar em casa a aguardar os acontecimentos. Porém a população, sai espontaneamente para a rua e manifesta-se contra o regime derrubado. A Pide foi desmantelada, os seus elementos presos e foram soltos os presos políticos. Estes foram, sem dúvida, os momentos mais importantes em termos efectivos de mudança social, juntamente com a ocupação de terras e de fábricas, uma parte delas abandonadas pelos capitalistas que entretanto tinham fugido do país financeiramente acompanhados. Estas mudanças foram curtas no tempo tendo em conta que os responsáveis políticos juntamente com os pides nunca foram julgados e foram libertos pouco tempo depois, do mesmo modo que o movimento espontâneo nas fábricas e no mundo rural foi de curta duração, a partir do momento em que foi enquadrado pelo Partido Comunista. Posteriormente os capitalistas voltaram, recuperaram as terras e as fábricas e a sua vingança faz-se ainda hoje sentir...

Trinta e seis anos volvidos e tentando ser sociológica e históricamente objectivos, o que é que cada um e todos nós - estamos a falar do cidadão comum - ganhamos, em todos os sentidos da palavra, com a queda do "ancien régime"? Em todas as respostas possíveis a palavra liberdade, duma ou doutra maneira, estará presente. Mas dizer só isto é confundir toda a realidade social, pois esta liberdade é unicamente no plano político. Social e economicamente continuamos tão dependentes como antes...Relembramos a este propósito um texto de Proudhon: "Sob o ponto de vista bárbaro, liberdade é sinónimo de isolamento; é-se tanto mais livre quanto menos a acção for limitada pela acção dos outros... Sob o ponto de vista social, liberdade e solidariedade são termos idênticos: encontrando a liberdade de cada um na liberdade de outrém, não um limite... mas um auxiliar, o homem mais livre é aquele que tiver mais relações com os seus semelhantes."

Se fizermos um apanhado dos grandes problemas actuais da sociedade portuguesa, vemos bem como fede, como tresanda a pus, derivado do cancro social que é o capitalismo selvagem, grande vencedor do 25 de Abril: desemprego, inflacção, concorrência desenfreada, sistema de saúde nas lonas, previdência social a dar o berro, corrupção política e económica, miragem europeia, proliferação de igrejas e profetas, falência da agricultura, a coesão social que conduz ao aumento da taxa de suicídio, crimes, delinquência juvenil e ao maior número de desamparados e pedintes.

Escusado será continuar nesta enumeração. Daí que tenhamos de concluir que as iniciativas de "solidariedade social" que por aí abundam, por bem intencionadas que uma pequena parte delas seja, não pode deixar de revoltar as nossas consciências, mesmo que não nos consideremos como tal. "Só serei verdadeiramente livre - já dizia Bakunine - quando todos os seres humanos que me cercam, homens e mulheres, forem igualmente livres... de modo que quanto mais numerosos forem os homens livres que me rodeiam e quanto mais profunda e maior for a sua liberdade, mais profunda e maior será a minha liberdade... eu só posso considerar-me completamente livre quando a minha liberdade ou, o que é a mesma coisa quando a minha dignidade de homem, o meu direito humano... reflectidos pela consciência igualmente livre de todos, me forem confirmados pelo assentimento de toda a gente. A minha liberdade pessoal, assim confirmada pela liberdade de todos, estende-se até ao infinito."


Reblog this post [with Zemanta]

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Será que existem milagres?

The Raising of Lazarus, (c. 1410) folio 171r f...Image via Wikipedia


António Campos

Um dos pilares que mantém a estrutura da religião funcionando são os milagres. Para os crentes, os milagres são a prova de que a sua crença seria verdadeira, uma vez que eles seriam a acção de Deus no mundo, provando não só a veracidade da doutrina assim como a existência de Deus. Entretanto o fenómeno do milagre está presente nas várias religiões do mundo. Há várias contradições na natureza do milagre que para que eles fossem cientificamente aceitáveis. Primeiramente, deve considerar-se o facto de que ao realizar um milagre, Deus teria que obrigatoriamente interferir nas leis da natureza. Considerando a possibilidade da existência de Deus, ele simplesmente interferiria nas leis que ele próprio criou para mudar o curso de um sistema que ele mesmo criou.Por outras palavras, no milagre, Deus não só interferiria nas leis naturais assim como no próprio livre-arbítrio. Logo a natureza do milagre não tem lógica.

Do ponto de vista científico, não considerando o factor Deus, o milagre é metodologicamente impossível pelo facto já mencionado de alterar as leis naturais, algo cientificamente impossível. A alegação para a existência de um milagre é que a ciência não conseguiu explicar um fenómeno pelo método científico. De facto, nem todos os casos de supostos milagres a ciência conseguiu explicar. Entretanto devemos ter em consideração que a ciência é refém de um processo evolutivo de descobertas, logo o facto da ciência não encontrar uma solução para um suposto milagre, não quer dizer que isso é a prova da comprovação do milagre. Um exemplo disso é o “Santo Sudário”, que segundo a tradição, é o pano que envolveu Jesus após sua morte e que nele, milagrosamente produziu-se a imagem de Jesus momentos antes da ressurreição. Após várias polémicas, no fim da década de 80 foi confirmado que o pano teria sido feito na Idade Média. Entretanto foi alegado que o resultado foi manipulado. E que com isso seria feito um novo teste. Só que no final de 2009, cientistas italianos reproduziram perfeitamente a imagem utilizando métodos medievais. E agora? Outro facto inusitado e polémico é que na Itália, um país altamente católico, no começo do séc. XX, surgiu um frade capuchinho chamado Padre Pio que apresentava estigmas semelhantes a São Francisco. Após a sua morte, esse frade foi canonizado como sendo o “irmão espiritual de São Francisco”. Entretanto recentemente descobriu-se que ele comprava ácidos secretamente o que produzia as feridas. E de facto, se notarmos as fotos dos estigmas, as feridas têm uma conotação de queimadura e não de perfurações como vários outros estigmatizados se mostram.

Da mesma forma, voltando no tempo, até hoje Francisco de Assis é considerado um dos santos mais importantes do catolicismo, cujos relatos de milagres são inúmeros. O mais impressionante milagre são os estigmas, os mesmos que Padre Pio alegava ter. Ora, primeiramente deve-se considerar que Francisco vivia cuidando de leprosos, o que para as condições sanitárias da Idade Média era um alto risco de contaminação. Outro facto é que, assim como vários outros santos e místicos, Francisco passava vários dias e até semanas sem se alimentar em condições. Para uma pessoa que passa dias sem comer meditando sobre o Arcanjo Miguel e a crucificação de Jesus, não é impressionante que ela tenha uma visão de um serafim que lhe passe as chagas de Cristo. E ainda mais, considerando que dependendo da imunidade da pessoa, casos de lepra podem irromper da noite para o dia, não é estranho que do nada surjam feridas justamente nas mãos e nos pés, locais que estariam mais propícios a infecções. Desse modo, todas essas visões, milagres, estigmas, se colocados à luz da razão e da análise científica, passam a um simples fenómeno resultante da debilidade do organismo e/ou de uma projecção da mente do indivíduo para aquilo que ele deseja.

Desse modo, também temos outros factos a considerar como as visões do auto-intitulado apóstolo Paulo e do profeta Mohammed sobre Jesus e o anjo Gabriel respectivamente, que ao lembrarmos que tanto Paulo quanto Mohammed eram epilépticos essas visões tornam-se uma projecção da mente, consequentes do ataque, uma vez que um ouviu momentos antes por um sermão sobre a conversão a Jesus e o outro estava há dias sem comer meditando sobre revelações divinas. Outros ditos milagres como curas inexplicadas, imagens que vertem sangue, mel, leite, assim como supostas aparições no céu, nada mais são do que reflexos da actuação da mente humana segundo o seu subconsciente que cria conclusões de fenómenos que simplesmente não existem, quando não muitas vezes são comprovados como fraudes arquitectadas. Vários casos como as aparições na cidade Bósnia de Medjugórie, onde Maria supostamente teria aparecido, foram comprovados e aceites pelos próprios bispos locais como eventos naturais, entretanto as romarias ainda continuam a frequentar o local como se fosse um sítio de um autêntico milagre. Assim como outros fenómenos que ainda são considerados milagres como a famosa “dança do sol”, que nada mais é do que a refracção da luz o que faz com que o sol “ande” pelo céu.

Considerando que em quase todo lugar existe um local que é tido como sagrado, qualquer fenómeno que o ser humano não compreenda, acentuando-se a isso que a religião existe nas várias sociedades, a primeira ideia a considerar-se vai ser a de um fenómeno sobrenatural. Todos viram o que uma simples mancha na janela pode fazer no ser humano. A sua capacidade de abstracção o faz ver aquilo que ele quer, a prova disso é que o homem“vê” várias imagens nas nuvens. Logo se a forma de uma cabeça aparecer numa nuvem um cristão dirá que é Jesus, um budista dirá que é Buda, um hindu dirá que é Shiva, e por aí vai, pois o ser humano, ficou dependendo de sinais para confirmar sua fé, logo qualquer sinal que ele considerar anormal ele fará a analogia segundo a sua crença como um mecanismo de defesa da própria crença, sempre na esperança que aquele sinal confirme sua fé. E muitas vezes, mesmo que seja provado o contrário, a fé estará tão enraizada no seu subconsciente que o processo para reverter essa convicção não surtirá mais efeitos.

E considerando que geralmente essas pessoas são leigas das ciências naturais, sem falar quando nem sequer imaginam que alguém está estudando esse fenómeno, não é estranho que a pessoa aceite o fenómeno à primeira vista como verdadeiro. Até porque o impacto do primeiro encontro com o fenómeno causa uma acepção quase que automática. No caso velho “telefone sem fio”, a situação é até mais simples de se compreender. Um caso bem simples aconteceu nos EUA no início do séc. XX, quando por uma brincadeira de mau gosto foi anunciado no rádio que estava acontecendo uma invasão alienígena. Mesmo não havendo indícios físicos para tal invasão, as pessoas se desesperaram de um modo que esse episódio ficou conhecido como a “Guerra dos Mundos”. Agora invente um facto, ou atribua um facto que você não compreende a uma pessoa que você considera um santo. A história espalhar-se-á pela comunidade, e mesmo que seja provado o contrário, a história já terá sido espalhada, sendo contada pelas gerações até chegar aos dias de hoje. Quem irá duvidar dessa história? Afinal, é tradição. Assim, esse “milagre” sobrevive até aos dias de hoje. Ora isto pode aplicar-se a outros conhecidos “milagres” como Fátima ou Lurdes.

Adaptado de Shaka Kama-Hari



Reblog this post [with Zemanta]

quinta-feira, 22 de abril de 2010

A crise da imprensa é muito ética

Press Credential MontageImage by st bernard via Flickr


António Campos

Chovem os artigos na imprensa internacional sobre a crise da imprensa, enquanto crescente número de jornais fecham, despedem jornalistas, diminuem as suas tiragens. Os diagnósticos, ao serem feitos, em grande medida por pessoal ligado a essa imprensa, não conseguem sair do rame rame usual: a difusão da internet grátis, dos jornais grátis, etc., etc., seriam os responsáveis. Será?
Mas um artigo, desta vez da prestigiosa publicação norte-americana The Nation – “How to save jornalism?”, de John Nichols e Robert W. McChesney, de 25 de Janeiro deste ano – aponta para um diagnóstico um pouco diferente. Em primeiro lugar, classifica o jornalismo como um “bem público”, considerando que deveria ser considerado da mesma forma que se considera a educação, saúde pública, o transporte, a infra-estrutura.
Considerado dessa maneira, o facto de ser financiado por publicidade já desvia ou deforma esse carácter público, porque a publicidade visa interesses privados, venda de mercadorias, prestação de serviços na esfera privada. Essa concepção remeteria ao tema do financiamento público da imprensa.
Quanto ao diagnóstico que aponta para a difusão da internet, os autores recordam que a crise começou muito antes, já nos anos 1970, apontando para a busca de maximização dos lucros pelas grandes corporações, que foram tornando as médias empresas como outras quaisquer do seu imenso leque de investimentos, tendo como resultado, entre outros, a diminuição da qualidade e a banalização do jornalismo, cada vez mais longe de ser um bem público.
As propostas actuais de tentativa de superação da crise financeira apontam normalmente para o pagamento das páginas de internet, dado que a publicidade nestas representa um ganho de 10% do que se perde nas publicações impressas. No entanto, apenas um ou outro jornal que acredita na sua capacidade de manter audiência sendo pago – como o The Wall Street Journal – se arriscam nessa direcção. Ainda assim, é duvidoso que possam arrecadar uma proporção minimamente significativa do que perdem com a diminuição da tiragem e, principalmente, com a retracção da publicidade, canalizada para outros meios.
Na realidade, a crise da imprensa é a da perda de credibilidade, é uma crise ética, de sua transformação em um instrumento da publicidade, do ponto de vista económico, e da sua constituição em mentor político e ideológico do liberalismo. Os dados, publicados recentemente, demonstram como todos os grandes jornais brasileiros perdem leitores, mas sobretudo perdem influência. Embora todos os maiores jornais e quase todas as revistas semanais – à excepção da Carta Capital – sejam de férrea oposição ao governo, este mantém 83% de apoio e eles conseguem apenas 5% de rejeição do governo. Temos aí uma ideia da baixíssima produtividade desses órgãos de oposição.
Jornais progressistas como La Jornada, do México, Página 12, da Argentina, Público, da Espanha, que gozam de alta credibilidade, se consolidam e se expandem, tendo páginas abertas amplamente visitadas. O seu património é a sua ética social, as suas posições políticas democráticas, o espírito pluralista dos seus comentaristas, a originalidade das suas coberturas jornalísticas.

Emir Sader, adaptado


Reblog this post [with Zemanta]

segunda-feira, 19 de abril de 2010

A gente decide

celebrate the ability to failImage by dan paluska via Flickr


António Campos

"Dentro de minhas limitações pessoais e de minha condição individual, eu faço diferença, todos fazemos"
No dia dos seus 102 anos, uma adorável matriarca está sentada junto à mesa de sua cozinha, rodeada de filhas e amigas. Ela corta os quiabos que serão preparados e servidos mais tarde aos visitantes, como de costume. Entrevistada, diz ao jornalista: "A vida, a gente é que decide. Eu escolhi a felicidade".
A aniversariante, dona Canô, mãe de Bethânia, minha irmã querida, naturalmente não quis dizer que "escolher a felicidade" é viver sem problemas, sem dramas pessoais ou as dores do mundo. Nem quer dizer ser irresponsável, eternamente infantil. Ao contrário, a entrevistada falou em "decidir" e "escolher".
Apesar de fatalidades como a doença e a morte, o desemprego, as perdas amorosas, a falta do dinheiro essencial à dignidade, podemos decidir que tudo fica como está ou vai melhorar, dentro do que podemos. Posso optar por me sentir injustiçada, ficando amarga e sombria; posso escolher acreditar no ser humano e em alguma coisa maior do que toda a nossa humana circunstância; posso buscar sempre alguma claridade, e colaborar com ela. Dentro de minhas limitações pessoais e de minha condição individual, eu faço diferença, todos fazemos.
Desse início pessoal, passo ao mais geral: leio que 40% dos nossos jovens e crianças vivem abaixo da linha de pobreza; que o desemprego é uma calamidade, a violência cresce a cada dia e o analfabetismo não diminui; que crianças continuam, aos milhares e milhares, brincando no barro feito de terra e esgoto. Leio, vejo e sei que milhares e milhares de velhos vivem em condições sub-humanas, pois sua aposentação é miserável, o serviço de saúde pública também, morre-se em corredores de hospitais ou em filas de postos de saúde, onde médicos exaustos e pessimamente pagos fazem muito mais do que podem.
Não vou recitar a ladainha de que as circunstâncias não justificam euforia nem ufanismo simplesmente porque nós não decidimos algo melhor do que isso que escrevi acima, e todo o resto que qualquer um conhece – e apesar disso continuamos deitando a cabeça no travesseiro toda noite e dormindo quem sabe até bem.
Tenho medo do ufanismo: ele pode ser burro e cego. Olimpíada no Brasil, Copa do Mundo no Brasil, tudo bem: mas eu preferia que antes disso a gente tivesse resolvido os gravíssimos e tristes problemas, tão dramáticos, de comida, saúde, educação, moradia, decência e dignidade de boa parte do povo brasileiro que agora samba e celebra porque teremos Copa, teremos Olimpíada, teremos festa.
Sei que este não é um artigo simpático. Certamente não é alegrinho. Realmente ele trata do que não decidimos, ou decidimos mal, ou decidimos não decidir, como, por exemplo, exigir líderes mais sensatos, mais presentes, mais realistas, mais dignos em todos os níveis. Podíamos decidir ser mais respeitados enquanto povo, mais olhados enquanto gente, mais seguros e mais protegidos enquanto sociedade.
Ou isso a gente não decide porque nem sabe das coisas, pois não se informa, não sabe ler, se sabe ler não costuma, nem o jornal esquecido no banco do aotocarro. Onde o povo carrega doença e dor, descrença e desalento, mas também, aqui e ali, leva um jornal para saber onde afinal vivemos, em quem afinal podemos acreditar, e o que afinal deveríamos esperar. Indagados, os mais desassistidos dirão que Deus é quem sabe, Deus decide, a quem ama Deus faz sofrer – frase de imensurável crueldade.
Ou será melhor nem saber nem aprender a ler, nem pegar a folha de jornal, nem ouvir o noticioso no rádio de pilha. Basta saber que sempre há em algum canto motivo para um breve ou longo carnaval, celebrando alguma coisa que possivelmente não vai encher nem o nosso bolso nem a barriga de nossos filhos, nem construir uma casa decente, nem botar esgoto, nem cuidar da nossa saúde, nem amparar nossos velhos, nem coisa nenhuma que seja forte, firme, boa e real. Porque, infelizmente, por aqui ainda decidimos pouco, e poucas vezes decidimos bem. Não porque Deus quis assim, mas porque a gente nem ao menos sabe por onde começar.

Lya Luft é escritora
Fonte: Revista Veja


Reblog this post [with Zemanta]

sexta-feira, 16 de abril de 2010

A China muda a geopolítica de tudo

The Great Wall of ChinaImage by Steve Webel via Flickr


António Campos

Constantemente vemos opiniões sobre as grandes mudanças que a China vem desenvolvendo no cenário internacional, principalmente sobre a óptica geopolítica que estabelece conceitos de poder e equilíbrio de atitudes e actividades sobre o conceito de condicionantes de política externa e necessidades de negócios internacionais.
Recentemente a China ficou configurada como a grande transformadora da geopolítica do petróleo no sistema internacional. Sua produção interna e suas necessidades reais de energia levam a um novo posicionamento de poder e controle. As perspectivas de comércio e inserção da China em mercados como América Latina, África e até mesmo Oriente Médio são latentes, e com três grandes finalidades, aproveitamento da capacidade fornecedora destes locais para as questões de energia, stock de alimentos e inserção de produtos chineses (de forma legal e ilegal).
Por exemplo, recentemente a Arábia Saudita investiu mais de 60 bilhões de dólares em um novo campo de extracção com capacidade de produção de 1,3 milhão de barris diários para atender especificamente a China e a Índia, considerando que boa parte fica para os nossos amigos chineses.
O governo angolano em pronunciamentos oficiais ampliou os laços diplomáticos e de negócios com a China, inclusive para consolidar o fornecimento de petróleo para Ásia e ao mesmo tempo abrir mais portas de comércio de produtos chineses em terras africanas.
Por sinal, a África de uma forma geral tem mudado sua cara, pois cada vez mais em suas cidades os chineses são mais vistos, principalmente em tarefas que os africanos ainda não tem mão-de-obra qualificada, como por exemplo construção civil. Tudo em troca e protecção do fornecimento de petróleo e manutenção dos contratos de compra de produtos chineses.
Os Estados Unidos perderam um pouco da hegemonia e do controle geopolítico, e não pela questão militar, mas sim por causa do controle geopolítico do petróleo, e como o grande estratega americano, Michael Porter dizia, eles perderam o poder de negocial com os fornecedores, e a China neste ponto avançou pesadamente. Sua capacidade de consumo sobressai qualquer aparato militar, e os novos direcionamentos do que vem a ser o novo imperialismo do futuro podem ter determinantes diferenciados, mas com o mesmo sentido, o poder sempre será estabelecido por um grande poder negocial. A China neste caso aproveita as novas mudanças geopolíticas, e aproveita para mexer com a história, ou melhor, fazer com que a mesma se repita, os grandes impérios um dia caem. E os Estados Unidos que se cuidem…

Fábio Pereira Ribeiro


Reblog this post [with Zemanta]

quarta-feira, 14 de abril de 2010

A Igreja católica, os milagres e os escândalos

St Bridget's churchImage by mudpig via Flickr


António Campos

Enquanto sobram as dúvidas sobre a virtude dos seus padres, minguam as certezas sobre a intercessão divina nos milagres dos seus santos.
A pressa em canonizar João Paulo II, um papa que era crente, depara-se agora com a nódoa que atingiu em cheio João XXIII e que persegue Bento XVI – a ocultação dos casos de pedofilia que envolvem os seus padres.
Os milagres criados para fabricar beatos e santos, cada vez mais medíocres, têm sido um factor de descrédito da Igreja católica e motivo de ridículo que perturba os crentes e hilaria os incrédulos. Salva-se o milagre da Alexandrina de Balazar que, segundo afirmou o próprio Papa João Paulo II, passou mais de 13 anos sem ter comido, bebido, defecado ou urinado, alimentando-se apenas de hóstias consagradas e cuja beatificação ainda teve de passar por uma milagre criado numa conterrânea emigrada em Estrasburgo.
A cura do olho esquerdo de D. Guilhermina de Jesus, queimado com salpicos ferventes de óleo de fritar peixe, foi um milagre que transformou Nuno Álvares Pereira, de herói que era, em colírio, desonra que não mereceria o vencedor de Aljubarrota.
Na semana em que o Vaticano comemora a morte de João Paulo II e já tinha um milagre confirmado para a sua beatificação, tudo correu mal, desde a contestação da posição assumida em vida quanto aos abusos sexuais dos seus padres até à validade do milagre criado depois de morto. Depois de aprovado o milagre da cura da freira francesa, Marie Simon-Pierre, que sofria da doença de Parkinson, foi posto em causa por um prestigiado jornal que duvidou do diagnóstico e da cura.
Para além da dúvida de ter curado uma freira, depois de morto, de uma doença que não conseguiu evitar a si próprio, em vida, resta a incúria com que lidou com as inúmeras queixas de abusos sexuais que recebeu e de que se desinteressou, deixando a resolução às dioceses.
A quantidade avassaladora de milagres e a catadupa de escândalos vão transformando o Vaticano de referência ética que foi para alguns em espaço mal frequentado reconhecido por quase todos.

de Carlos Esperança



Reblog this post [with Zemanta]

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A endémica pesca ilegal afecta duramente os países mais pobres da África Ocidental.

Map indicating Northern AfricaImage via Wikipedia


António Campos

A prática prevalece na região centro-leste do Oceano Atlântico e estende-se pelas águas territoriais de cerca de 15 países africanos, de Marrocos à Mauritânia, no norte de Angola e no sul. As perdas económicas apenas para os países da África sub-saariana ronda os 1.000 milhões de dólares por ano ", disse à IPS Saskia Richartz, directora de políticas do Greenpeace grupo oceânico ambiental. "Não há" mecanismos para fazer cumprir as normas internacionais neste domínio.

A maioria das empresas e embarcações envolvidas na pesca ilegal navegando sob a bandeira de países como China, Indonésia, Panamá e na Rússia, mas também a União Europeia (UE) e de outros países industrializados, como Itália, Japão e Portugal. A pesca ilegal é um feita por navios de bandeira nacional ou estrangeira, nas águas territoriais de um Estado soberano sem a permissão das autoridades ou em violação de suas leis e regulamentos.

As águas conhecidas como zonas económicas exclusivas, são áreas em que o Estado tem direitos especiais marítimos e de exploração. Considera-se também os barcos de pesca ilegal carregando as bandeiras dos países que ratificaram os acordos internacionais, mas ao contrário de gestão e medidas de conservação mandatada pelos Tratados.

O problema-se agravou nos últimos 10 anos, de acordo com o Centro Técnico de Cooperação Agrícola e Rural (CTA), órgão da UE criada para ajudar os países de África, Caraíbas e Pacífico. Os prejuízos causados pela pesca ilegal no mundo é estimado entre 9.000 e 24.000 milhões de dólares por ano. A maioria das fontes avaliam as capturas entre 11 e 26 milhões de toneladas de peixe, o equivalente a entre 10 e 22 por cento da produção total. Além disso, os dados não levam em conta os danos ambientais causados pela pesca excessiva, que tem dizimado muitas espécies de peixes como o atum e o bacalhau.

"A captura ilegal da África Ocidental é estimado em mais de 40 por cento dos aprovados" como MRAG consultor baseado em Londres, dedicada à "promoção do uso sustentável dos recursos naturais através da gestão integrada de políticas e práticas ". Na zona económica exclusiva da Guiné, as perdas flagelo foram estimados em US $ 110 milhões em 2009, segundo um relatório do Departamento de Desenvolvimento Internacional, Grã-Bretanha.

A situação nas águas territoriais da Guiné é "o pior de África", o que significa que é o pior do mundo, de acordo com a Environmental Justice Foundation, sediada em Londres. Os países africanos perdem cerca de 34.000 toneladas de peixe por ano, incluindo a pesca indesejada lançada ao mar, segundo o Departamento para o Desenvolvimento Internacional. Na Guiné, a captura é cerca de 54.000 toneladas por ano, fazendo com que o corte ilegal represente dois terços do número registado oficialmente.

"A escala da pesca ilegal é vergonhosa e surpreendente levada a cabo pelas nações industrializadas, e os seus líderes, repetidamente, prometem só mais de 10 anos para eliminá-la", disse Richartz, do Greenpeace. Na Cimeira Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, em 2002, os líderes concordaram em implementar planos de acção urgente, nacional e regional, com a realização de uma iniciativa internacional da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que visa "prevenir, impedir e eliminar a pesca ilegal, não declarada e irregular para 2004."

"É fácil a captura ilegal e a lavagem para evitar sanções, porque os postos de fiscalização são ineficazes e inconsistente", disse ele. "Também não existem mecanismos suficientes para a localização de navios, há pouco controle sobre a pesca e os navios vão beneficiar as empresas", acrescentou. "Greenpeace observou em várias ocasiões e documentou a existência de embarcações de pesca nacionais e empresas da UE e outros países industrializados e em desenvolvimento a violar acordos internacionais, de pesca, onde o fazem com toda a impunidade", disse ele Richartz, acusando a Europa de não levar o assunto a sério.

Algumas organizações têm listas de empresas violadoras e dos navios da China, Indonésia, Panamá, Rússia e Tunísia, entre outros. Mas o Greenpeace não lista todos os anos dos dados oficiais de domínio público inclui embarcações da Itália, Japão e Portugal. Estima-se que a captura ilegal de várias empresas europeias representam entre um terço e metade do total das capturas, disse à IPS Baumueller Heike, independente do investigador do grupo de estudo Chatham House, Londres.

"Em 2020, o problema representa uma perda de mais de 15.000 milhões de dólares no sector das pescas eo desaparecimento de mais de 27.000 postos de trabalho na indústria da pesca e transformação de produtos do mar", disse ele. A Comissão Europeia, órgão executivo da UE em 2009 estima que cerca de 10 por cento das importações de frutos do mar, cerca de 1.700 milhões de euros, pode vir de fontes ilegais, de acordo com um comunicado divulgado em 27 de Outubro do ano passado.

As autoridades europeias dão abrigo a algumas empresas e dos navios que estão na lista dos criminosos. A Environmental Justice Foundation chamado o porto espanhol de Las Palmas de Gran Canaria, o "mais conveniente", pois fornece serviços para os navios piratas que operam nas águas ao largo da costa oeste da África. O porto é uma zona económica exclusiva e as empresas localizadas em Las Palmas tem vários costumes e vantagens fiscais, muitas das quais facilitar a gestão, o transporte e a venda ilegal de peixe ", disse à IPS Duncan Copeland Foundation Justiça Ambiental. Las Palmas é um ponto de entrada indulgente realmente grande para o mercado europeu para produtos do mar e um cubo principal do transporte para a pesca ilegal para outros grandes mercados do leste asiático.

Traduzido do espanhol
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=103104



Reblog this post [with Zemanta]

sábado, 3 de abril de 2010

A Relação com o Passado e com o Futuro

Passé - Futur !Image by Romain [ apictureourselves.org ] via Flickr


António Campos

Relação com o passado

Hoje, a relação com o passado reduz-se seja ao turismo arqueológico a preços módicos, seja à erudição e ao museísmo de todo tipo. Devemos rejeitar a pseudomodernidade e pseudosubversão - a ideologia da tábua rasa -, assim como o ecletismo ("o pós-modernismo") ou a adoração ao passado. Uma nova relação com o passado supõe fazê-lo reviver como nosso e independente de nós, ou seja, significa ser capaz de entrar em discussão com ele aceitando ao mesmo tempo que ele nos questione. Antes, a relação que os atenienses no século V mantinham com o passado apresenta-se não com um modelo, mas como um germe, um índice de possibilidades realizadas. A tragédia não 'repete' os mitos; ela os reelabora e os transforma para que, saídos de um passado imemorial, eles possam investir a linguagem e as formas do mais vivo presente e, desse modo, atingir os seres humanos de todos os futuros possíveis. Esse estranho 'diálogo' com o passado, com duas vias com sentido único, disjuntas na aparência, mas não na realidade, é uma das possibilidades mais preciosas que a nossa história criou para nós. Assim como devemos reconhecer nos indivíduos, nos grupos, nas unidades étnicas ou outras a sua verdadeira alteridade, e fundar a nossa coexistência com eles nesse reconhecimento,... devemos reconhecer em nosso próprio passado uma fonte inesgotável de alteridade próxima, trampolim para nosso esforços e abrigo contra nossa loucura sempre à espreita.

Relação com o Futuro

Devemos também estabelecer uma nova relação com o futuro, deixar de vê-lo como um 'progresso' ilimitado, dando-nos sempre mais do mesmo, ou como o lugar de explosões indeterminadas. Não se poderia também onerar a nossa relação com o futuro etiquetando com o termo falacioso de 'utopia'. Além daquilo que se costuma chamar de possibilidades do presente, cuja fascinação não pode senão engendrar a repetição, devemos, sem renunciar ao julgamento, ousar querer um futuro - não um futuro qualquer, não um programa estático, mas esse desenrolar sempre imprevisível e sempre criador, de cuja conformação podemos tomar parte, pelo trabalho e pela luta, a favor e contra.


Cornélius Castodiadis
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.



Reblog this post [with Zemanta]