segunda-feira, 31 de maio de 2010

O declínio da União Europeia e de Portugal no mundo actual 1)

European court of JusticeImage by gwenael.piaser via Flickr


António Campos


O FMI acabou de divulgar as “Perspectivas da Economia Mundial: Reequilibrar o crescimento”, onde apresenta previsões até 2015. Apesar da fragilidade dessas previsões, elas revelam uma tendência clara de declínio da UE e de Portugal. Segundo o FMI, no período 1992-2001, a taxa anual de crescimento económico na Zona Euro foi de 2,1% e, em Portugal, de 2,9%. Mas, a partir de 2001, certamente como consequência dos Pactos de Estabilidade, preocupados apenas com a redução do défice orçamental, a quebra no crescimento económico foi acentuada. Entre 2002 e 2009, a média das taxas anuais de crescimento na Zona do Euro baixou para 1%, e em Portugal para apenas 0,4%. As previsões do FMI para o período 2010 -2015 revelam que o declínio vai continuar, já que a média das taxas anuais de crescimento neste período será apenas 1,4% na Zona do Euro e de 0,8% em Portugal (quase metade).

Se compararmos as taxas de crescimento económico previstas pelo FMI para o período 2010-2015 para a Zona do Euro (1,4%/ano) e para Portugal (0,8%/ano), com as previstas também pelo FMI para as “Economias Avançadas” (2,3%/ano) e para os EUA (2,7%/ano), conclui-se que os desequilíbrios mundiais vão-se acentuar. E isto porque as taxas de crescimento económico das “Economias avançadas” e dos EUA são quase o dobro das previstas para a Zona do Euro, e o triplo das previstas para Portugal. E isto já para não referir a China, com taxas anuais de crescimento que se situam entre os 9% e os 10%. O declínio da UE e, com ela, de Portugal é evidente no mundo actual e vai continuar a um ritmo acelerado se persistir na mesma política.

Um dos aspectos que caracteriza o discurso político oficial, assim como o do pensamento económico dominante com acesso fácil aos media é o silêncio face à previsão da continuação do aumento rápido do endividamento do País ao estrangeiro, apesar de ser um problema muito mais grave do que o défice orçamental. No fim de 2009, segundo o Banco de Portugal, a Dívida Líquida do País ao estrangeiro atingiu 182.595,4 milhões € (111,7% do PIB); e a Dívida Bruta Externa de Portugal somava já 487.675,7 milhões € (298,1% do PIB). Para o período 2010-2015, utilizando as previsões do FMI do saldo da Balança de Pagamentos Correntes Portuguesa, estimamos que os saldos negativos acumulados nesta Balança somem 98.416,5 milhões de euros, o que corresponde a 56% da média dos valores do PIB no mesmo período. Face a estes valores e à chantagem e especulação a que está a ser sujeita neste momento a Grécia, qualquer português deve-se sentir preocupado, até pelos sacrifícios que isso no futuro poderá causar. No entanto, nem o governo nem o pensamento económico dominante, obcecados com o défice orçamental, manifestam o mesmo, pois o seu silêncio sobre a dívida é quase total quando defendem o PEC.

É urgente inverter a actual política de estrangulamento e definhamento do crescimento económico e substituí-la por uma política que tenha como objectivo principal o crescimento económico. No lugar de um PEC que pretende reduzir o défice orçamental para menos de 3%, é necessário é um Programa de Crescimento que tenha como objectivo principal alcançar uma taxa de crescimento económico superior a 3%. O problema é que os dirigentes políticos europeus e os economistas defensores do pensamento oficial com acesso privilegiado aos media, que condicionam a opinião pública, estão bloqueados e incapazes de definir uma estratégia de desenvolvimento para a Europa e para Portugal, e limitam-se a papaguear a consolidação do défice num período de forte crise económica, quando isso só pode conduzir a UE e Portugal ao declínio, como está a acontecer. É uma fuga para a frente que só pode levar ao desastre e ao retrocesso. A UE não tem futuro com tal política e com a liberalização do comércio mundial sem regras, de que se aproveitam países como a China e a Índia, onde as desigualdades sociais e salariais em relação à Zona Euro são enormes. É chocante constatar que a UE não tem qualquer estratégia a não ser a consolidação do défice com a ilusão de que depois o desenvolvimento surgirá como por milagre. A realidade é bem diferente, e a UE e Portugal só poderão sair mais pobres e enfraquecidos.

Devia servir de reflexão que um país como os EUA, que levou o mundo à crise actual, fortemente endividado, com uma Balança Comercial altamente deficitária, e com um défice orçamental gigantesco, esteja neste momento mais interessado em recuperar o crescimento económico do que preocupado com a consolidação orçamental que tanto fascina os governos da União Europeia e o pensamento económico dominante. Portugal, com um desemprego que atingirá em 2010, segundo o FMI, 11% (614 mil desempregados oficiais, a que se devem somar mais 140 mil que não constam das estatísticas oficiais de desemprego), precisa mais do que qualquer outro país de um Programa de Crescimento Económico, e não de um programa de declínio como é o PEC.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou já em Abril deste ano as “Perspectivas da Economia Mundial: Reequilibrar o crescimento”, onde apresenta previsões até 2015. Estas previsões valem o que valem, o mesmo acontecendo com as da CE, do Banco de Portugal e do governo, mas apesar da sua relatividade elas mostram que UE e, com ela, também Portugal caminham para o rápido declínio se a política que tem sido seguida não for rapidamente substituída. E não se pode dizer que o FMI não seja “amigo” do governo de Sócrates; muito pelo contrário, ele até avaliou positivamente o PEC: 2010-2013 apresentado por este governo(…).

No período 1992-2001, a taxa média anual de crescimento económico na Zona Euro foi de 2,1% e, em Portugal, de 2,9%, o que permitiu ao nosso País convergir para a União Europeia.
A partir daquela data, com os Pactos de Estabilidade, centrados na redução rápida do défice orçamental, a quebra no crescimento económico foi visível, tanto na UE como em Portugal, sendo muito maior no nosso País. Entre 2002 e 2009, a média das taxas de crescimento na Zona do Euro baixou para 1%, e a de Portugal para apenas 0,4%. O declínio é evidente. E as previsões do FMI para o período 2010-2015 revelam que esse declínio vai continuar. Segundo o FMI, a média das taxas de crescimento anuais no período 2010-2015 será apenas 1,4% na Zona do Euro e de somente 0,8% em Portugal, ou seja, menos de metade (57% da Zona Euro).

Se compararmos as taxas de crescimento económico para o período 2010-2015 previstas pelo FMI para a Zona do Euro (1,4% ao ano) e para Portugal (0,8% ao ano), com as previstas pelo FMI para as “Economias Avançadas” (2,3%/ano) e para os EUA (2,7%/ano), conclui-se que os desequilíbrios mundiais vão-se acentuar. E isto porque as taxas de crescimento económico previstas para as “Economias avançadas” e para os EUA são o dobro das previstas para a Zona do Euro, e o triplo das previstas para Portugal. E isto já para não fazer comparações com as chamadas “Economias Emergentes”, onde a China ocupa um lugar de destaque, com taxas anuais de crescimento económico entre os 9% e os 10%.

É esclarecedor observar que naqueles países que durante vários anos foram apresentados como modelos a seguir por Portugal – a Irlanda e a Finlândia – as taxas de crescimento previstas para os anos 2010, 2011 e 2015 se situam entre 1% e 1,8%.

Em resumo, a União Europeia está bem longe do objectivo enunciado na Agenda de Lisboa, o de ser o espaço económico mais competitivo e mais avançado no domínio do conhecimento. No lugar da concretização desse objectivo ambicioso, tem pela frente o declínio, se não for capaz de alterar as políticas que tem seguido(…).

De Eugénio Rosa; 26 de Abril de 2010 (adaptado)

Continua……..


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sexta-feira, 28 de maio de 2010

Expressões dos racismos em Portugal – alguns aspectos 1)

Anti-Racism Kensington 33Image by thivierr via Flickr


António Campos

Vários indicadores parecem apontar no sentido de um crescendo da visibilidade da discriminação das minorias «étnicas» e «raciais» na Europa . Quer nos países tradicionalmente receptores de imigrantes, como sejam a França, a Alemanha, a Holanda ou a Inglaterra, quer naqueles que recentemente a eles se juntaram, como a Itália, a Espanha ou Portugal, os comportamentos e acções discriminatórios, sejam individuais, colectivos ou mesmo institucionais, têm vindo a ganhar visibilidade.

Segundo o Eurobarómetro, nº47.1, de 1997, 70% dos europeus reconhecem que os imigrantes legalizados devem ter os mesmos direitos cívicos que os nacionais. Esta abertura à igualdade de direitos é, contudo, acompanhada por tomadas de posição contraditórias. De facto, segundo o estudo citado, apenas 55% dos europeus consideram que os imigrantes legalizados, de países não-europeus, devem ter o direito a ter consigo a sua família, 59% consideram que as minorias (de outra raça, religião ou cultura) abusam do sistema de segurança social, 63% consideram que contribuem para aumentar o desemprego, e 45% que são uma das causas de insegurança. Portugal (76%), Irlanda (77%), Bélgica (76%), Áustria (75%), Alemanha (73%), Luxemburgo (72%), e o Reino-Unido (70%) são os países onde um maior número de pessoas concordam com a seguinte proposição: «Todos os imigrantes ilegais, sem excepção, devem ser enviados para os seus países de origem.»

O nosso país não constitui, assim, uma excepção no cenário das atitudes racistas. Por exemplo, segundo o SOS racismo, durante o ano de 1995 registaram-se, em Portugal, trinta incidentes de carácter racista, com cinco mortos e mais de cinquenta feridos. Os relatórios posteriores, elaborados por esta mesma organização, continuam a sublinhar um número considerável de incidentes racistas. Em 1996 e 1997, a comunidade cigana, que sempre foi alvo de discriminação, ora de forma mais aberta ora de forma socialmente menos evidente, tomou-se alvo de agressão em várias localidades, e objecto de questionamento social.

Como é sabido, em Portugal a primeira vaga de imigrantes vindos das actuais ex-colónias verificou-se a partir de meados dos anos 60, recebendo um novo incremento no período que imediatamente precedeu e seguiu a independência desses países, sendo muitos destes cidadãos portugueses. Nos anos seguintes, a imigração proveniente das ex-colónias, ou países africanos de língua oficial Portuguesa, e sobretudo de Cabo Verde, apresenta valores expressivos, tendo entretanto sofrido, muito provavelmente, algum decréscimo devido à legislação adoptada a partir de 1992.

Mais recentemente, Portugal tomou-se país de destino de brasileiros, depois de uma história caracterizada pela migração em sentido inverso. Refira-se ainda a presença de comunidades indianas provenientes das ex-colónias, nomeadamente de Moçambique; e a presença de algumas «hiperminorias» que, exactamente, dada a sua insignificância numérica, adquiriram visibilidade nos meios urbanos.

As categorias minoritárias alvo de discriminação, sobretudo «negros» e ciganos, têm sido associadas, pelo menos pelos órgãos de comunicação social, a problemas como a criminalidade, o desemprego, o tráfico de droga, a economia paralela, o sentimento de insegurança, novos custos sociais, etc. Para a justificação pública da nova legislação sobre imigração introduzida em 1992 e 1993 (Decreto-Lei n.O 212/92, de 12 de Outubro, e Decreto-Lei nº 59/93, de 3 de Março), bem como para a justificação dos acordos de Schengen e para a justificação da nova lei sobre o asilo político aprovada em 19937, foram igualmente apresentadas associações daquele tipo.

Contudo, não dispomos de indicadores seguros sobre as modalidades, o significado e a extensão da discriminação por parte dos portugueses «brancos» face a portugueses ou estrangeiros «não brancos», nem se conhecem as configurações dos factores psicológicos, sociológicos e psicossociológicos que sustentam e alimentam o racismo em Portugal. De facto, a investigação no nosso país não erigiu como problema, a estudar de forma sistemática e teoricamente fundada, o racismo e a xenofobia.

O racismo pode ser estudado a diferentes níveis, como por exemplo: nas suas expressões institucionais; a nível dos comportamentos abertos de discriminação e agressão física ou psicológica; na sua dimensão histórica, nomeadamente no que respeita à compreensão do processo histórico de construção e atribuição de sentido à categorização «branco/negro»; na sua dimensão cultural e ideológica, ou seja, no plano das representações sociais, utilizando aqui este conceito no seu significado mais abrangente. É sobre esta última dimensão de análise do racismo que incide este estudo.

Neste contexto, o estudo propõe-se descrever e enquadrar teoricamente as atitudes dos portugueses «brancos» face a uma categoria minoritária, vista como distinta da maioria da população, tendo maioritariamente um estatuto social baixo, e que se tomou socialmente visível: os «negros» em Portugal. A visibilidade social desta categoria, minoritária, dominada, e percebida como distinta, poderá erigi-la em categoria problemática e, consequentemente, suscitar reacções emocionais, cognitivas e comportamentais negativas. A análise dessas reacções e dos seus correlatos psicossociológicos constitui o objecto de estudo deste trabalho.


In, Expressões dos racismos em Portugal, Jorge Vala, Rodrigo Brito e Diniz Lopes (adaptado)


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quarta-feira, 26 de maio de 2010

Garzón, um herói dos direitos humanos?

Baltazar Garzón visita Centro Clandestino de D...Image via Wikipedia


António Campos


Recentemente, no Estado espanhol, foram dirigidos poderosos ataques contra o juiz Baltazar Garzón, por este ter tentado investigar os crimes cometidos durante a ditadura franquista. Parte da esquerda espanhola e dos movimentos sociais mobilizaram-se a seu favor, tentando defendê-lo das manobras judiciais da direita (que visavam afastá-lo) e assumindo-se em apoio das vítimas do franquismo. No país vizinho, houve diversas manifestações e petições de intelectuais em sua defesa, mas considerando apenas este lado da acção do “juiz estrela”. Também, na mesma linha, surgiu em Portugal uma petição a seu favor. Entretanto, Garzón era suspenso das suas funções pelo Conselho Geral do Poder Judiciário.

Sabendo tudo o que aqui estava em jogo, nomeadamente as cumplicidades de Baltasar Garzón com a tortura praticada pelo Estado espanhol, lamenta-se que parte significativa dos nossos democratas e intelectuais ibéricos tenha tentado transformar Garzón num herói, mostrando, uma vez mais, a sua visão limitada, preconceituosa e selectiva (será que a tortura de alegados militantes políticos radicais não é um crime?) em relação aos direitos humanos que dizem defender. Eles, habitualmente, só se preocupam com a repressão quando ela chega à sua gente ou, então, apenas com alguns presos e indivíduos, conforme a cor dos regimes políticos.

Vozes conhecidas da defesa dos direitos humanos no Estado espanhol alertaram então para o paradoxo de se apresentar este juiz como um protector dos direitos humanos. O artigo que a seguir reproduzimos, publicado no n.º 125 do jornal Diagonal (www.diagonalperiodico.net), coloca bem as questões em relação ao outro lado do problema, por muitos omitido, ajudando a melhor compreender a questão.

“Não podemos deixar de nos opor à nomeação do juiz Baltasar Garzón como um defensor dos direitos humanos, quando a sua actuação foi, enquanto era favorável aos seus interesses, idêntica ao que agora denuncia”. Com esta contundente declaração, termina o manifesto intitulado O Paradoxo de Garzón, lançado em meados de Abril por 26 conhecidos activistas da defesa dos direitos humanos do Estado espanhol.

De acordo com Jorge del Cura, do Centro Madrileno de Documentação contra a Tortura, e um dos signatários do manifesto “é necessário e essencial investigar cada uma das responsabilidades dos crimes do regime franquista, mas esta pesquisa não pode servir para avalizar e dar um verniz democrático a um tribunal, como a Audiência Nacional (AN)”. O manifesto, acrescenta ele, “surge face ao assombro e indignação de ver Garzón apresentado como um herói dos direitos humanos, ao mesmo tempo que se esconde, ou silencia, o seu papel e, sobretudo, o da Audiência Nacional no retrocesso das liberdades no Estado espanhol”.

É que os nomes do juiz estrela e o deste tribunal especial estão intimamente ligados desde que, em 1988, Garzón foi incorporado na Audiência Nacional como juiz instrutor. Uma longa carreira durante a qual Garzón marcou aí o seu estilo. “Se entendermos o juiz instrutor como garante dos direitos fundamentais dos investigados, Garzón não fica aprovado: não materializa o seu papel de supervisão do trabalho policial e limita-se a reproduzir os relatórios da polícia nos autos judiciais”, descreve Benet Sallèles, advogado catalão que teve de lidar em diferentes ocasiões com os sumários de culpa do juiz. “Utilizou sempre um modelo totalmente inquisitorial, dificultando muito o trabalho das defesas. Parece que agora lhe aconteceu algo parecido”.

O titular do julgado n.º 5 não foi mais um juiz da AN. Para o advogado basco Julen Arzuaga, de Behatokia, um Observatório Basco de Direitos Humanos, e um dos impulsionadores do manifesto crítico de Garzón, este é o criador da interpretação extensiva do “tudo é ETA”. Ele delineou o uso ambíguo do direito penal e da sua brutal intromissão na vida política pública. Ele é responsável por toda esta linha de intervenção que implica a suspensão dos direitos políticos de um sector importante da sociedade basca”. E fê-lo, segundo Arzuaga, “promovendo instruções criminais de motivação política e recorrendo ao direito penal do inimigo, esse direito que julga, condena e encarcera, não pelo que se fez, mas pelo que se é e pensa”.
E o juiz foi marcando a linha. Como diz Jorge del Cura, “a AN, com Garzón na liderança, acelerava, exigia e dava um verniz aparentemente legal às alterações para endurecer a legislação a todo o momento”.

A purga da 4.ª Secção
O que aconteceu com os juízes da 4ª Secção da AN é um bom exemplo do preconceito que Garzón imprimiu. O veterano Augusto Gil Matamala, ex-presidente da Associação de Advogados Democratas Europeus, recorda este caso: “Garzón é um juiz instrutor com enormes poderes, mas pode recorrer-se das suas decisões e apelar a um nível jurisdicional superior: a 4ª Secção Criminal da Audiência. Dois juízes não se deixaram enganar pela visão desorbitada de Garzón em relação ao tecido associativo basco e, desde o final dos anos 90, muitos processos foram revogados. Em seguida, os juízes foram objecto de uma campanha dos media para os desacreditar”.

Posteriormente, em Fevereiro de 2002, num caso confuso, a 4ª Secção libertou um traficante, que acabou por fugir. Os seus juízes foram rapidamente processados, suspensos e inabilitados por seis meses. Após a drástica sanção, nos corredores do tribunal a ladainha dos seus funcionários era a mesma: “Cotino (então director-geral da polícia) e Garzón tomaram a AN”. Em 2004, o Supremo considerou sem razão a suspensão dos magistrados e estes foram reabilitados e reintegrados na Audiência.

“Mas, diz Gil Matamala, o estrago já estava feito: desde então, nenhuma Secção da AN ousa questionar as decisões de Garzón”. Nesta domina agora Fernández: “Sem lembrar aquela batalha seria impossível compreender hoje as instruções e decisões como a do macroprocesso 18/98 (*), o encerramento dos jornais Egin e Egunkaria ou a equiparação da desobediência civil ao terrorismo”.

Impassível perante a tortura
Mas se há uma crítica ao juiz que se repete, é a sua atitude para com as alegações de tortura. De acordo com Del Cura “são muitos os casos de pessoas que, quando conduzidos a Garzón, relataram terem sido torturados e/ou maltratados durante os períodos de detenção incomunicável. E a resposta dele foi sempre a mesma: em nenhum caso foi ordenado investigar ou remeter as queixas para o tribunal competente. E deu como boas todas as declarações”.

Com a sua negligência face às acusações de abuso policial, Garzón ganhou a reprovação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Em 1992, 30 nacionalistas catalães que foram presos na véspera dos Jogos Olímpicos e aos quais foi aplicada a legislação anti-terrorista, reclamaram ao juiz que haviam sido torturados sem que este fizesse alguma coisa. Depois de um longo processo, em 2004, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos sentenciou que o inquérito de Garzón sobre a tortura não tinha sido “suficientemente profundo e eficaz”.

Sallèles recorda outro episódio dilacerante: “Era um menino que ele trouxe de Guantánamo para julgar por terrorismo. Naquele momento, não parecia colocar qualquer problema a Garzon o facto de o menino vir de lá. O acusado foi absolvido pelo Supremo Tribunal, que negou a validade deste tipo de processo. No entanto, ele, como juiz, nada tinha feito”.
Para Arzuaga, “julgam Garzón precisamente com uma acusação desproporcionada, com conotações políticas e resultante de uma interpretação extensiva da lei. Essa é a justiça espanhola. Ele contribuiu para que se pudesse chegar aonde se chegou hoje”.


(*) O enorme processo 18/19, aberto em 1998, em que Baltasar Garzon pretendia julgar “toda a estrutura da ETA”, envolveu um jornal (Egin) e uma rádio (Egin Irratia), várias empresas e uma fundação. Foram, então, processadas 55 pessoas.

Pedro Goulart
In, Mudar de Vida



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segunda-feira, 24 de maio de 2010

A Internet e o capitalismo de hoje: "O poder está na mente" ... Entrevista a M. Castells 2)

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António Campos

Continuação…

Internet é uma ferramenta democrática e aberta?
É de crescente liberdade, mas não devemos mistificar a Internet. Internet é uma plataforma de comunicação livre e muito difícil de controlar. Mas o uso da liberdade não depende da Internet. Você pode usar a liberdade de subverter a liberdade. Por exemplo, a ideia de que as empresas de média controlam a internet porque o YouTube, MySpace, Facebook ... na verdade, não tão bem, porque as plataformas de comunicação são livres, e se as empresas cortam a comunicação livre, as pessoas estão indo em seguida comunicar para outra plataforma ou criar uma nova. MySpace e YouTube permitem grande liberdade no espaço de comunicação porque senão eles perdem os usuários. Esta é uma liberdade de comercialização. Venda de possibilidade de comunicação livre. O povo deve ser livre para se comunicar, não garante que as pessoas vão fazer com essa liberdade. Um dos aspectos mais interessantes da Internet é que nos impele para descobrir quem realmente somos, porque o que fazemos na Internet é o que a sociedade realmente é. Ele é o nosso espelho da história.

Sobre nós
Na Internet há de tudo: heróico povo disposto a lutar e morrer pela liberdade e pela solidariedade com os outros e pessoas dispostas a organizar uma banda racista ou da Jihad Islâmica. Nós somos anjos e demónios. E a que nível, depende do momento. Ninguém está livre a qualquer momento ser xenófobo. Ninguém é racista, mas quando lhe perguntam se você sente como sua filha se casar com um árabe, muitas pessoas dizem que não. Nesse sentido, a internet tem um efeito profilático, pois impede-nos de mentir para nós mesmos como uma sociedade, muitas pessoas têm medo da internet, porque têm medo de si mesmo.
Argumenta ainda que o único risco das pessoas na internet, é porque vivemos num mundo tecnologicamente superdesenvolvidos, mas eticamente subdesenvolvidas. A tecnologia sem ética é perigosa.
Sim, o que acontece é que o génio está fora da garrafa. A tecnologia não vai parar ou deixar de mudar. Como nós mesmos necessita de reparação. Mas, na verdade, tem havido uma deterioração da ética. Houve uma total individualização de projetos pessoais e um enfraquecimento das instituições tradicionais de controle social e não retornou. Não é que eu vou defender a família tradicional, a religião tradicional ou poderes tradicionais do Estado ... mas foram enfraquecidos. A globalização tem enfraquecido, na prática, o poder dos estados-nação, o processo de secularização na nossa área tem diminuído os controles de uma moral religiosa, a crise do patriarcado em que a família tem feito isso, há uma grande incerteza nas relações pessoais e ruptura real e sistemática da disciplina das crianças e dos jovens no seio da família. Todas as instituições que asseguravam um grau de estabilidade, deram lugar à individualização: a mim e ao mundo. Com as redes que eu construí no mundo.

Há uma falência.
Quebrados os laços da comunidade as sociedades pouco têm. Nesse sentido, o que pode ser uma ética individual não é ética, porque ética é a referência aos princípios comuns que são aceites. Isso tem sido muito amplificado por um modelo de crescimento económico e da organização económica chamado pelas pessoas de capitalismo, mas acho que é insuficiente, porque há muitos tipos de capital. A história do capitalismo em geral, que perverte os valores éticos é toda uma ideologia, mas o que acontece é que o tipo de modelo de organização económica que vivenciamos nos últimos 15 ou 20 anos, ele maximiza a ideia de que todos os Eu poderiam estar em condições para ganhar dinheiro, independentemente do que acontece com a empresa e os clientes.
A criminalização de uma parte do capitalismo é também essencial. Tornaram-se multinacionais do crime, em parte ligado ao colapso dos sistemas, como a União Soviética, em parte, relacionados com a reação de muitos países pobres, onde se acredita que a única coisa possível é o crime, prostituição ou tráfico. De seguida, gera um vale tudo, e se alguma coisa que você vai utilizando, uma tecnologia tão poderosa como a Internet, em todo o mundo a capacidade de conexão móvel, uma rede de transporte aéreo, uma rede de comércio marítimo informatizado comunicam-se todas as economias ... temos um problema sério. E isso não resolve para controlar a Internet. Primeiro, porque você não pode controlar, e segundo, porque perderia o instrumento básico de funcionamento na sociedade da informação e economia do conhecimento. Seria como tentar controlar os excessos do capitalismo e do estatismo soviético fora da realidade. Incentivar a moralização da empresa e da política é mais importante do que nunca, porque a capacidade tecnológica para desenvolver grandes projetos é tão poderosa que, sem um controle nós vamos para a desintegração do tecido social.

Qual seria a sua receita para evitar isso?
Para começar, falar mal do governo e da política, e alguns têm feito ...

LA VANGUARDIA.ES
17/01/2010

Manuel Castells
Texto de Alex Rodriguez

Traduzido e adaptado do espanhol - conclusão


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sexta-feira, 21 de maio de 2010

A Internet e o capitalismo de hoje: "O poder está na mente" ... Entrevista a M. Castells 1)

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António Campos

O sociólogo Manuel Castells, professor emérito de Berkeley (Califórnia) e diretor do Instituto Interdisciplinar Internet no UOC (Barcelona), dedicou a maior parte de seu trabalho para o estudo da sociedade da informação, analisando as dimensões económica, social e cultural que estão transformando o mundo em alta velocidade.

Costuma dizer-se na imprensa, que hoje quase todos estão enfrentando um futuro incerto, é o quarto poder. É? O sociólogo Manuel Castells (Hellin, Albacete, 1942), que aborda esta questão em seu último livro, intitulado de Comunicação e Alimentação (Alianza Editorial)…

O que é comunicação e qual é o poder?
Comunicação é o significado compartilhado através do intercâmbio de informações e poder é a habilidade de alguns indivíduos, organizações ou instituições para fazer os outros actuar de uma forma que sirva os interesses e os valores desses indivíduos ou instituições.

Será que querem tomar o poder de comunicação?
O poder é exercido através dos média. O poder é uma relação, não uma coisa, não uma entidade. Não há poder desencarnado, existem pessoas, instituições que estabelecem uma relação de poder, não que controle os média. Mas é exercido através do espaço de comunicação.

Como?
O poder tem essencialmente duas formas que geralmente são combinadas. A coerção, legal ou ilegalmente forçando a possibilidade de exercício de violência ou intimidação. O segundo é o de influenciar mentes, influenciar o que pensamos, pois determina o que fazemos. Ou seja, o poder está nas mentes. Em nossa sociedade é esta segunda forma de poder que é decisivo. Tudo depende de como pensamos, dos sinais que recebemos no nosso cérebro e como processo. E os sinais que recebemos do ambiente de comunicação. Os meios de comunicação são fundamentais na organização do ambiente de comunicação. Quem é capaz de projetar e operar de uma forma ou de outra, o processo de comunicação socializada de comunicação que atinge todo mundo tem ¬ uma das chaves do poder.

O controle das mentes ... pode ser inquietante. É algo que poderia acontecer durante a guerra no Iraque, uma nação onde todos responderam em termos de uma dupla mensagem: o medo do terror e do patriotismo?
Exatamente.
É muito preocupante que alguém pode controlar as molas da mente de todo um país e que poderiam levar a agir como ele quer. "
Absolutamente. Mas, naturalmente, poderia fazê-lo porque o medo já está em nossas mentes. Não somente incitar-nos o medo. É que se você sofreu um ataque terrorista, voou o centro da maior cidade e matou 3.000 pessoas, eu, nós estamos com medo. E então se você diz que vai acabar consigo, com veneno ... é porque você está com medo. Então há uma manipulação política, claramente documentada agora, afetando parcialmente os meios de comunicação que recebem e publicam histórias que não são verdadeiras. Isso ativa os mecanismos do medo nas mentes das pessoas e da possibilidade de ser manipulado. Mas o interessante é que as empresas são processos abertos, podem também ativar outros mecanismos: um espírito crítico, a esperança, a solidariedade, e assim por diante. Como os processos estão abertos, além do caso da guerra no Iraque, podemos também apontar para outros casos, por exemplo, que um sistema controlado e aparentemente indestrutível como a dos aiatolás no Irão é posta em causa e está incomodado com a mobilização espontânea na rede de comunicação através da Internet. É um movimento que, obviamente, não perturba um regime repressivo, mas põe em causa. Portanto, eu diria que a capacidade de intervir nas mentes das pessoas é extraordinário no mundo da comunicação digital, multimodal e penetrante.
Dois exemplos radicalmente diferentes. O que vale mais, para alcançar um bom ou mau poder e o que pode produzir?
Independentemente da avaliação que podemos fazer, que é o nosso mundo, vivemos neste mundo de comunicação e redes de poder que são organizadas através dos sistemas de comunicações. Uma questão é o que pensamos e como nós podemos colocar sobre este fenómeno e outra coisa é reconhecer o fenómeno, porque as pessoas hoje pensam em obter todas as informações e depois decidir. Isso é irreal. A neurociência tem revelado que o trabalho das emoções e sentimentos, por exemplo, há cinco vezes mais probabilidade de registo de informações que corresponde ao que as pessoas acreditam que a informação contradiz o que eles já pensam. É o poder de observar as pessoas, mas agora você pode vê-lo. Mas não o poder, os poderosos: são pessoas, são organizações, e não uma coisa chamada poder em abstrato.

Quem tem o poder? O nome ou algo abstrato?
Não, tudo é muito específico, são aqueles com maior capacidade de intervenção na área da comunicação espontânea e às vezes grandes redes móveis ou da Internet. Por exemplo, no caso de 11 de marco de 2004, na verdade 12 e 13 de marco de 2004, que mudou as relações de poder foram as pessoas que construíram e organizaram manifestações e protestos espontâneos denunciando o que eles viam como uma mentira ... Eles têm mais poder do que a televisão pública inteira, porque eles mudaram a nossa forma de votação. É um bom exemplo para mostrar que o poder não é sempre vertical…

Traduzido adaptado do espanhol- 1ª parte
(continua)


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quarta-feira, 19 de maio de 2010

A Obra de Deus ou Opus Dei

Escrivá surrounded by working people, in a Fil...Image via Wikipedia


António Campos

A Obra de Deus, do latim, Opus Dei, é uma organização católica composta por leigos e sacerdotes, cuja filosofia prega a "santificação da vida comum". Fundada pelo agora santo espanhol Josemaria Escrivá, a Opus Dei, tornou-se um fenómeno católico mundial, seja pela sua rápida ascensão e consolidação entre as organizações religiosas mundiais, seja pelas diversas polémicas que envolvem sua história. De idolatrada a odiada, considerada desde seita católica a sociedade secreta, esta organização sem dúvida mudou e continua mudando os rumos do Catolicismo desde sua fundação, de um modo decisivo.

Em 2 de outubro de 1928, é fundada a Opus Dei em Madrid. A proposta da então recém criada associação cristã era de resgatar os princípios do Catolicismo tradicional, que para Escrivá se traduzia no seu cumprimento estrito, até mesmo para leigos, o que mais tarde criar-se-ia a ideia da "santificação da vida comum", onde os homens em seus afazeres diários, cumpririam à risca a doutrina pregada pela Igreja. Durante a guerra civil espanhola, deflagrada no auge a Revolução Russa, criou-se um clima muito pesado de anti-clericalismo, influenciado principalmente pelos ataques ao Catolicismo na Espanha por parte do governo de esquerda. Essa perseguição criou um verdadeiro clima de conservadorismo dentro da congregação, que faria sua filosofia se apegar de modo radical à doutrina anti-comunista da Igreja. Padres e leigos da Opus Dei participaram da Guerra de modo a mais tarde apoiar o governo fascista de Franco em oposição ao governo Comunista…

Pode-se dizer que além do exército, os católicos espanhóis, conduzidos sob a Opus Dei foram decisivos na resistência à República e na instauração da Ditadura Franquista. Com essa vitória sobre o Comunismo, em 1943 a organização receberia o status de "Sociedade de Direito Diocesano", o que já lhe conferia a ordenação de sacerdotes, assim como as demais ordens Católicas. Rapidamente durante a 2ª Guerra, devido ao seu ideal de resistência cristã, a Opus Dei se espalhou pela Europa. Com a Europa toda arrasada pela guerra, a filosofia de "reconstrução espiritual" pregada pelo Opus Dei tornava-se uma poderosa aliada da Igreja na reconstrução do continente. Uma onda de filiação varreu o mundo Católico de modo que antes, a organização voltada para leigos viu-se abarrotada de padres de modo que Escrivá fundou a Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, a ala clerical da Opus Dei, que mais tarde se tornaria uma espécie de divisão administrativa da Obra. Na década de 60, o mundo Católico mudou de forma radical. Com o Concílio Vaticano II a Igreja Católica abria-se para o mundo moderno, de modo a alterar tanto a forma dos seus rituais, como fez uma verdadeira revisão na sua forma de compreender sua própria doutrina. Nesta época de mudanças, o Opus Dei viu-se num dilema, ou abria-se junto com as mudanças defendidas no Vaticano II e contradizia sua doutrina de profunda defesa das tradições e dos rituais milenares, ou seguia as demais ordens religiosas que mudaram profundamente sua maneira de conduzir a doutrina da Igreja.

Nessa época, com o crescimento do Opus Dei, a Companhia de Jesus e a Ordem Franciscana tornaram-se verdadeiros rivais da Obra, uma vez que com o Vaticano II, os Jesuítas e os Franciscanos aderiram às transformações na doutrina, a ponto de patrocinarem os novos pensamentos defendidos pela ala liberal da Igreja dentre eles, a polémica Teologia da Libertação, justamente de cunho Marxista. Com isso, uma verdadeira disputa política tomou conta da Igreja, onde de um lado, a ala conservadora representada pela Obra, defendia um rígido seguimento dos padrões tradicionais católicos, quer seja na religião, na moral ou na política, enquanto que os Jesuítas e os Franciscanos representavam a tendência da "Igreja Social", que ganhou bastante destaque na América Latina dos anos 60. Justamente nessa época, vários golpes foram dados nos países latino-americanos sendo justificados como sendo em nome da segurança contra a "ameaça comunista". A expansão da Guerra Fria com o conflito ideológico e político do Capitalismo x Comunismo causou um verdadeiro mal estar dentro da Igreja e entre suas várias organizações, a ponto de desesperadamente após o medo de uma verdadeira abertura da Igreja por parte do falecido (talvez assassinado, e pela própria Igreja) Papa João Paulo I, que poderia fazer a Igreja (vulgo a sociedade Ocidental, vulgo sistema capitalista americano) perder sua identidade, seus líderes tentarem retomar a prática das tradições milenares como eram antes do Vaticano II. Com isso em 1978, para consolidar essa intervenção contra o próprio Vaticano II, a ala conservadora da Igreja elegeu o então desconhecido Karol Wojtyla, que se tornaria o Papa João Paulo II.

João Paulo II, cresceu na Polónia, na época da ascensão do Comunismo no Leste Europeu. Ser Católico naquela região significava resistência política-ideológica ao Comunismo pregado pela URSS. Com sua entrada no seminário, Wojtyla viu-se minado do conservadorismo pregado contra o Comunismo, neste caso, patrocinado pelo próprio Opus Dei, reconstrutor da Europa pós-guerra e organização vitoriosa da Guerra Civil Espanhola. Com isso, no seu pontificado, João Paulo aos poucos assumiria uma postura altamente oposta ao Marxismo, a ponto de destruir as bases da Teologia da Libertação na América Latina, acção essa patrocinada pela Opus Dei. Não é coincidência que meses antes do golpe de Pinochet no Chile, Escrivá esteve na América Latina, plantando literalmente as bases da organização em terras latino-americanas, plantando nos diversos países uma ideologia altamente conservadora nas elites locais, e com isso consolidando os governos militares ao redor do continente. Com isso, a Companhia de Jesus e a Ordem Franciscana perdiam espaço junto com a Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de Base, não é à toa que durante uma visita à Nicarágua, justamente durante uma conferência da CEB's, o Papa João Paulo II foi drasticamente vaiado pela multidão, revoltada com a decisão do pontífice de calar de vez os teólogos da libertação considerando a filosofia cristã-marxista uma heresia dentro das paredes da Igreja, o que mais tarde seria concretizado na polémica Conferência Episcopal Latino-Americana (CELAM), no Chile, onde o actual Cardeal Cipriani foi o agente supressor do movimento da libertação na América Latina. Não é coincidência que justamente após a saída de bispos e arcebispos liberais, como Dom Hélder Câmara, estes foram substituídos por líderes altamente conservadores como Dom José Cardoso…

Essa atitude significou uma anestesia nos movimentos sociais não só da América Latina, mas também nos países africanos como a África do Sul, que na época, via-se oprimida pelo sistema racista do Apartheid. Com isso, a expansão de governos conservadores moldados ao sistema político americano garantia não só os interesses de expansão das grandes corporações da época, como evitava uma possível expansão do Comunismo na América Latina que já tinha se iniciado em Cuba. Por mais incrível que pareça, o próprio Opus Dei tornou-se um dos agentes de repressão nos governos ditadoriais, como no Brasil, onde principalmente em São Paulo, as alas mais conservadoras da sociedade paulistana tinham membros da Opus Dei como militantes da campanha de repressão do Governo. Essa mesma elite, nessa época, foi o principal motor de expansão, nesse caso, económica, do Opus Dei. Combinando todos os interesses possíveis que poderiam garantir a estabilidade social das elites da época, o Opus Dei, tornou-se um verdadeiro depositário dos dízimos mais gordos do mundo, uma vez que por seu carácter conservador, seus membros, muitos da elite europeia e americana, seguiam à risca a doutrina do dízimo, de modo que na época a Opus Dei possuía um património único de 20 milhões de euros…

Voltando na época de João Paulo I, para ajudar na reconstrução da Europa, o Vaticano criou o Institutos para as Obras de Religião, vulgo, Banco do Vaticano. O Banco do Vaticano era um verdadeiro banco suíço nas terras pontifícias, que de modo discreto, servia de receptor e fiador de grandes empresas e empresários europeus. Durante o pontificado de João Paulo I, descobriu-se várias movimentações ilegais envolvendo importantes membros da sociedade europeia assim como vários bispos e até cardeais da Igreja. Simplesmente, o então cardeal-camerlengo Jean-Marie Villot era um dos envolvidos nesse escândalo. Curiosamente, Villot era do Opus Dei, que na época era uma das organizações accionistas no Banco…

Com todas essas absurdas "coincidências" se cruzando, não me impressiona que da noite para o dia Josemaria Escrivá tenha sido canonizado, num dos processos mais polémicos da história da igreja, devido à quebra total dos clássicos protocolos de processo canónico determinados nos códigos eclesiais. A enorme crítica a esse fato, vinda principalmente das ordens católicas dos Jesuítas e dos Franciscanos deve-se ao fato de que justamente na época da morte de João Paulo I, instaurou-se uma crise institucional na Igreja, onde o Banco do Vaticano era seu principal factor. Com a desconfiança em todo mundo pelo vazamento dessas informações, o Banco viu-se cada vez mais afundado em negociações que rendiam cada vez mais prejuízos à Igreja. De modo fantástico, a Opus Dei com uma "pequena" parte do seu património, soergueu o Banco do Vaticano, trazendo de volta sua influência na economia mundial (de modo a se envolver novamente mais tarde com o escândalo da Máfia Italiana nos anos 90). Depois dessa santa ajuda, não me impressiona que não só o fundador da Obra tenha se tornado um dos mais famosos e polémicos santos da Igreja como também em 1982 o Papa instituiria a "prelatura" da Opus Dei, que ficaria conhecida popularmente como a "prelazia pessoal do Papa".

Este termo, às vezes erroneamente entendido na verdade significava uma coisa, uma independência administrativa da ordem perante às cúrias locais. Em outras palavras, a Opus Dei, deixava de ser uma ordem religiosa subordinada às decisões das dioceses e arquidioceses locais para responder somente e directamente para com o Vaticano. Desse modo, qualquer oposição advinda de órgãos secundários como ordens religiosas e a própria cúria local como a CNBB no Brasil, não seriam acatadas, cabendo somente ao Papa, neste caso, à Cúria Romana, decidir sobre as questões da Obra. Desse modo, não só a Opus Dei ficava blindada contra quaisquer ataques vindo das demais ordens como ao mesmo tempo serviria de uma verdadeira milícia vaticana, sendo o braço direito da Igreja quando a mesma precisasse suprimir qualquer oposição até mesmo dentro da mesma, como ocorreu durante o auge da Teologia da Libertação. Por isso a Opus Dei é tomada como uma Sociedade Secreta, mais precisamente a agência secreta do Vaticano, pois a mesma tem uma devoção tão grande à instituição quanto ao próprio Deus. E essa devoção se reflecte nas práticas e na filosofia da Opus Dei, tão criticadas ao longo dos tempos…

Com uma filosofia totalmente oposta a isso desde a sua fundação, a Opus Dei, temendo uma desfiguração das tradições cristãs, manteve-se fiel à doutrina original ignorando em suma o Concílio da década de 60, de modo a intensificar essa prática como uma resposta à adaptação que a Igreja estava sofrendo nos tempos modernos. Com isso, a Opus Dei criava a partir de uma interpretação grosseira e conservadora da doutrina católica e do próprio Caminho de Escrivá, uma verdadeira filosofia sacrifical, onde os sacrifícios eram louvados através da frase de Escrivá que dizia que "a dor era boa". A dor, não era somente no contexto físico, mas na privação de várias coisas, como foi instituído nas doutrinas da Obra como o total celibato, até mesmo para casais, a utilização de cilícios e de autoflagelação por parte de membros especiais determinados dentro da ordem, e um rígido programa de vida espiritual que deveriam ser cumpridos quase que militarmente. Outro factor que agravava as críticas a Opus Dei era o envolvimento de vários membros em casos de corrupção, e a questão da espionagem dentro da própria Igreja, onde por meio da Confissão, padres da Opus Dei na época tornavam-se verdadeiros soldados na busca de informações de possíveis opositores da Igreja e dos governos (por sinal a função original da confissão era justamente política, saber segredos envolvendo o Estado e a Igreja)…

De fato, a Opus Dei mudou e continua mudando os rumos não só da Igreja mas também da sociedade ocidental. Assentada sob os pilares do conservadorismo e do tradicionalismo, a Opus Dei tornou-se um verdadeiro Exército Católico, que aliado à ala conservadora da Igreja e da sociedade, torna-se um agente activo no processo de estratificação e modelação social e político tecendo uma verdadeira rede de negociações que definem não só os rumos da religião, mas também da política e da economia em vários países. Se fosse uma ordem como outra qualquer, ela não receberia críticas tão pesadas de dentro da própria Igreja, e de ordens que antes foram altamente conservadoras e que agora são o braço do progresso e do diálogo da Igreja para com o mundo moderno. De mentiras a segredos, a Obra de Deus se revela tão falsa quanto sua filosofia pregada, que só visa garantir a perpetuação de uma sociedade opressora alienando cada vez mais seus membros e deturpando de modo irreversível a verdadeira mensagem de Jesus.

Shaka Kama-Hari (adaptado)



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segunda-feira, 17 de maio de 2010

Contra a humilhação que nos estão preparando

Luís de Camões, Portuguese's greatest poet..Image via Wikipedia


António Campos

«Um espectro paira na Europa, é o espectro do comunismo». Começa assim o Manifesto de Marx e de Engels. Desta vez, porém, o espectro é outro: é o da crise geral do capitalismo, a qual, longe de ter acabado ou, sequer, amainado, demonstra uma agressividade arrepiante. A Europa está a sentir, porventura de forma mais atroz, as parcelas dessa crise. O caso grego é exemplar porque se vai continuar em outros países, deixando um rasto de pavor, de susto e de miséria.
Esta crise, aliás, demonstrou, uma vez mais, que a Europa social e solidária é um mito e uma aldrabice que alguns tentam manter através de remendos. As generosas ideias daqueles que pensaram num continente forte, coeso e unido, goraram-se com fragor. E acontece um porém: os actuais dirigentes europeus não possuem estatura de estadistas nem estirpe de líderes. A luta de poder inclina-se, cada vez mais, para a Alemanha, e esvai-se o conceito de orientação tripartida, com a França e a Itália nas outras pontas.

A senhora Merkel não está propriamente hipotecada à inteligência, e tanto Sarkozy como Berlusconi não são de tomar a sério, embora tenham desgraçado os seus países e uma certa ideia de Europa. A birra da dirigente alemã quanto a apoiar a Grécia é significativa do mal-estar que se oculta em discursos muito inflamados e vazios de conteúdo. Sejamos sérios: a União Europeia é uma ruína, e as ameaças externas que sobre os seus restos pairam não são despiciendos. Nem os Estados Unidos e muito menos as grandes multinacionais alguma vez estiveram interessados na existência de um bloco económico e financeiro forte e representativo.

As agências de informação e de espionagem há muito que actuam para o fim do projecto. E a crise financeira norte-americana que, por arrasto, afectou algumas economias mundiais, não todas, não vê com bons olhos o reerguer europeu.

A birra de Merkel só o é porque outros interesses a apoiam e incitam. Ao bater o pé à ajuda à Grécia ela adverte da impossibilidade de acorrer a outras crises, ao mesmo tempo que vai avisando quem é que manda por aqui. E o pobre do Durão Barroso, que teria, acaso possuísse o porte de político sólido, a oportunidade de mostrar carácter e decisão, escoa-se em discursos vagos e tristes.

Portugal está na decorrência desta crise e, talvez, no olho da tempestade. A gravidade da situação tem-nos sido dissimulada, tanto pelo primeiro-ministro como pelo ministro das Finanças, embora fiscalistas e economistas da importância de Medina Carreira, Silva Lopes, Hernâni Lopes ou Octávio Teixeira tenham vindo a público dizer-nos que o rei vai nu.

Uma situação desta natureza e gravidade exige um lato entendimento entre todos os partidos, todos sem excepção. O encontro entre Passos Coelho e Sócrates pode ter utilidade prática, mas é, notoriamente, escasso, se forem excluídos das conversações o PCP, o Bloco de Esquerda e o CDS. Mesmo assim, penso que o Governo deveria alargar o leque de opiniões, convidando para um debate mais amplo não apenas economistas mas outros sábios dos diferentes sectores do conhecimento, inclusive antigos Presidentes da República.

Muito se tem falado, com grave assunção ou displicente verbo, das ameaças à democracia. Elas estão em toda a parte. Sabe-se que esta crise violenta do capitalismo não se conclui mantendo tudo na mesma. E é essa perspectiva de alteração e de mudança do sistema que preocupa quem dele vive: as transnacionais, cujo poder é muito superior ao dos Governos, e não estão dispostas a ceder, sem luta feroz, os seus privilégios, que aumentaram exponencialmente, com a globalização e a implosão do comunismo.

Portugal é outra experiência, como o foi no 25 de Abril e no que se seguiu ao processo revolucionário. Um laboratório de ensaios implacáveis, exactamente por ser o elo mais fraco. Medina Carreira, há meses, esclareceu, com a autoridade que se lhe reconhece e a coragem exemplar que demonstra, a natureza do que se preparava para o nosso país. Acrescido, obviamente, a torpe incompetência e da sobranceria sem par de quem tem dirigido Portugal nos últimos tempos. Foi taxado de pessimista. Ele só dizia a verdade que se nos ocultava. O resultado está à vista e tudo indica que as coisas vão ser muito piores. Sobretudo para as classes mais desfavorecidas.

Numa época e num País onde dominam os valores do consumismo, e onde “gestores” auferem vencimentos escandalosos e bónus obscenos, que respostas é possível dar, com a urgência e a proficiência necessárias? Não se trata, aqui, de manter ou de sustentar o Governo de Sócrates. Trata-se, isso sim, de recusar a humilhação que nos estão preparando. Há que tocar a reunir...

Baptista-Bastos, adaptado



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sexta-feira, 14 de maio de 2010

Moralização da economia e da vida pública 1)

TIPOYOCK LIFE PHOTO PROMOTIONNEL EPISODE 15 PU...Image by tipoyock via Flickr


António Campos

Porquê todo este rumor sobre a moralização da economia e da vida pública? O que explica esta preocupação crescente com o tema? Trata-se de uma subida de valores ou de uma reacção causada pela discrepância entre expectativas e possibilidades, entre o ideal e o real, entre o mundo simbólico da indignação e o mundo estratégico da actuação? Será uma preocupação que veio para ficar ou tenderá a esgotar-se?

Face à derrocada da ENRON e ao seu impacto nos mercados financeiros, ou confrontadas com as mais recentes alegações de subornos pagos pela BAE Systems a um príncipe saudita na compra de armamento, as máximas neoliberais do prémio Nobel Milton Friedman de que a única responsabilidade social das empresas é a de aumentar os proveitos dos seus accionistas e de que a corrupção é uma intrusão do governo na eficiência do mercado sob a forma de regulamentação têm hoje menos aceitação nos círculos empresariais e políticos e no público em geral do que teriam nas décadas de 60 e 70.

A moralização da economia e da vida pública desenvolveu-se radicalmente nas últimas duas décadas, num contexto de rápida transformação do sistema internacional e das economias ocidentais. Com o final da guerra fria e a internacionalização das economias e mercados financeiros em finais da década de 80, assistimos a uma proliferação de iniciativas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira. A década de 90 viu florescer um conjunto de novos actores governamentais e não governamentais dedicados, única e exclusivamente, a estas matérias. Do mesmo modo, no privado, um número crescente de corporações e de empresários assume uma postura reformista (genuína ou estratégica), colocando as preocupações éticas no centro do seu modelo de gestão e do seu modo de fazer negócios.

Uma série de desenvolvimentos contribuiu para esta crescente tomada de consciência sobre a moralização da vida pública e económica, entre outros:

- Uma maior actuação por parte de organizações governamentais e não governamentais internacionais contribuiu para que o tema da corrupção e da moralização da economia de mercado assumisse uma dimensão global. São disso exemplo, por um lado, as várias convenções internacionais/regionais contra a corrupção ou em prol de standards de governança para as multinacionais (Nações Unidas, OCDE, Conselho da Europa, etc.) e, por outro lado, as denúncias da Amnistia Internacional sobre a violação de direitos humanos por regimes não democráticos e a exploração de trabalho infantil pelas empresas/ ocidentais, a condenação da corrupção tout court (seja ela administrativa, política ou em transacções comerciais internacionais) ; a transparência internacional, os protestos do Greenpeace e de outros movimentos e partidos ecologistas relativamente ao impacto negativo no ambiente de certas políticas ou negócios, etc.;
- Uma alteração dos paradigmas de ensino sobre economia e política e uma consequente alteração dos planos curriculares em que as questões de ética assumem cada vez mais uma maior centralidade no estudo das instituições e dos comportamentos sociais. Hoje um número considerável de universidades oferece nos seus cursos de gestão, políticas públicas, administração e política em geral cadeiras que versam sobre estas matérias;
- Uma maior acuidade dos órgãos de comunicação social e dos tribunais na detecção e condenação de certas práticas. Não só existe uma maior intervenção de um núcleo duro de actores com responsabilidades nesta matéria, mas também uma crescente interd pendência dos mesmos, na medida em que uma magistratura nacional depende, por vezes, de regras de cooperação internacionais ou multilaterais), para o exercício dás suas competências relativamente a uma Investigação em curso no seu território jurisdicional. Os governos têm vindo a recorrer a várias iniciativas e instâncias internacionais como alternativa à insuficiência da soberania do Estado no combate e controlo dos complexos mecanismos transnacionais da corrupção.

A moralização da vida pública, através da luta contra a corrupção, e a moralização da economia de mercado (ou, em concreto, do sistema capitalista) tomaram-se duas dimensões da mesma cruzada, enformam um movimento global de mudança de valores. Não se trata apenas de um conjunto de medidas e regras adoptadas a nível internacional, através das quais se procura regular o comportamento de actores transnacionais em relação aos agentes públicos ou privados, mas também de uma série de novos actores, processos e impactos, isto é, de visões sobre o tipo de sociedade global que se pretende construir através deste esforço de moralização, mais marcado por contradições e inconsistências do que por certezas sobre o futuro.

A questão está em saber se esta tomada de consciência colectiva significa, de facto, uma subida de valores ou se se trata apenas de uma reacção pontual que tenderá a esvanecer-se à medida que outras preocupações globais assumam um maior destaque. Embora a corrupção e a moralização da economia se tenham transformado em temas importantes no debate público e nas avaliações retrospectivas dos cidadãos face ao desempenho das instituições públicas e de mercado, não existe qualquer garantia de que se mantenham com os mesmos níveis de interesse e a mesma prioridade na agenda de reforma em anos vindouros.

Mais ainda, embora possamos falar de uma consciencialização global para as externalidades negativas da corrupção e do funcionamento actual do sistema capitalista mundial (o que justifica a internacionalização das políticas e estratégias de controlo e de regulamentação), em geral, as campanhas moralizadoras da vida pública e privada continuam a ser travadas a nível nacional, compostas por actores e estratégias que visam coibir a natureza e dimensão do fenómeno num espaço nacional e avaliadas por uma opinião pública, também essa, marcadamente
nacional.

Por essa razão, toma-se fundamental estudar as atitudes e práticas dos cidadãos neste contexto de rápida transformação do Estado e da economia, em que as questões éticas emergem no centro dessa mudança. Como se relacionam estes três conceitos e de que modo as atitudes e práticas dos cidadãos são importantes para compreender as dinâmicas e especificidades dessa interacção complexa?

Ética, Estado e Economia, Luís de Sousa (adaptado)


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quarta-feira, 12 de maio de 2010

Crise social e instabilidade do euro alastram na Europa

KKE MEETING AGAINST CRISISImage by KKE_pictures via Flickr


António Campos

Os mercados estão nervosos e a Espanha foi vítima de rumores que mostraram a sua fragilidade, enquanto na Grécia aumentam os protestos de rua.
Milhares de gregos protestaram ontem contra o plano de austeridade que será debatido esta semana no Parlamento em Atenas. O nervosismo atingiu a Espanha, que alguns analistas apontam como a próxima vítima. No domingo, a Alemanha tem eleições regionais decisivas para a coligação que suporta o Governo de Angela Merkel. A ajuda financeira europeia tem de ser aprovada por cada país e o processo deve estar terminado até ao fim da semana. O Governo austríaco já aprovou, mas o seu ministro das Finanças, Josef Pröll, insistiu que quer o dinheiro de volta. Perante os protestos de rua, na opinião de Pröll, a Europa "está a perder a paciência" com os gregos.

Grécia

Dúvidas sobre ajuda e reformas
Os operadores do mercado continuam a dizer que o plano de ajuda à Grécia, de 110 mil milhões de euros, pode ser insuficiente. O Wall Street Journal, na sua edição de ontem, falava em necessidades da ordem de 150 mil milhões de euros. Estas dúvidas estão a provocar forte instabilidade financeira na Europa, ao mesmo tempo que os sindicatos gregos prometem endurecer a contestação ao pacote de medidas de austeridade anunciado no domingo e que segue este semana para aprovação no Parlamento de Atenas.
Os protestos de ontem foram pacíficos, mas um grupo de comunistas ocupou a Acrópole , mostrando uma faixa em inglês apelando ao "levantamento dos povos da Europa". Às manifestações juntaram-se professores, funcionários públicos, até militares. Entretanto, começaram greves nos hospitais e transportes.
As medidas de austeridade incluem aumentos de impostos e cortes na despesa pública, nomeadamente reduções nos salários e subsídios. O pacote de medidas deve ser votado na quinta-feira e não se espera um chumbo.
Referindo-se aos protestos, o ministro das Finanças austríaco afirmou ontem que a Europa estava a perder a paciência com a Grécia. Entretanto, há pelo menos um membro da zona euro ainda relutante em apoiar o pacote de ajuda, a Eslováquia. O ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schauble também lançou um sério aviso: numa entrevista, afirmou claramente que se o plano de austeridade não for aplicado, então os pagamentos seriam suspensos, o que levaria a Grécia à falência. "Atenas é obrigada a aplicar o programa", disse Schauble.
A crise social pode agravar-se, pois os sindicatos prometem endurecer a luta. A Grécia terá de reduzir o seu défice orçamental para 3% do PIB até 2014, de um valor de 13,6% (e que pode ser superior). A dívida pública grega é de 115% do PIB.

Espanha

Difícil mostrar mais unidade
O nervosismo dos mercados em relação ao pacote de ajuda à Grécia atingiu ontem em cheio a Espanha, que foi vítima de dois rumores que aumentaram a turbulência. Um dos boatos afirmava que Madrid iria necessitar com urgência de 280 mil milhões de euros. O outro rumor era de que as agências de notação Fitch e Moody's iam reduzir o rating da dívida espanhola. As agências negaram e o primeiro-ministro José Luis Zapatero tentou travar a agitação, considerando os boatos "intoleráveis", mas isso não evitou forte queda bolsista. Hoje, Zapatero encontra-se com o líder da oposição conservadora, Mariano Rajoy, numa cimeira que ele próprio convocou e que visa acalmar a situação. Rajoy promete dizer ao primeiro-ministro que "não somos a Grécia, mas a Espanha está como está devido à sua política".
Muitos analistas consideram que a Espanha pode ser a próxima vítima de um contágio e falam em "falta de confiança", não apenas na economia espanhola, mas na estabilidade da moeda única europeia. Numa entrevista à BBC, o prémio Nobel da Economia, Joseph Stiglitz, admitiu que esta crise representa "talvez o fim do euro". Na opinião deste especialista, "se a Europa não resolver os seus problemas institucionais fundamentais, o futuro do euro será provavelmente curto".

Alemanha

Governo vai ser castigado
A chanceler alemã Angela Merkel está a acelerar a campanha no maior Estado do país, Renânia do Norte-Vestefália, cuja votação no domingo pode ditar o fim da maioria governamental na câmara alta do Parlamento em Berlim. As sondagens indicam a possibilidade da coligação CDU-FDP (igual à nacional e que ascendeu ao poder na Renânia há cinco anos) poder ser substituída por uma coligação de esquerda, SPD-Verdes-Linke, mas os números não são claros e os social-democratas não confirmam o cenário de aliança a incluir o Linke.
As sondagens indicam que a CDU de Angela Merkel tem 38% de intenções de voto (o que implicaria uma queda de 6% face a 2005) e a questão da ajuda à Grécia está a reflectir-se nas eleições. Dois terços dos alemães são contra o pacote para salvar Atenas. Refira-se que dos 110 mil milhões de euros em ajuda, a Europa paga 80 mil milhões e, destes, a Alemanha é responsável por 22,4 mil milhões.
Se perder as eleições na Renânia Norte-Vestfália (que tem 18 milhões de habitantes) a chanceler terá mais dificuldade em fazer passar novas reformas. O partido parceiro da coligação nacional, FDP (liberais) ficará enfraquecido. As sondagens apontam para um valor de 6%, ou seja, demasiado perto da barreira de 5%, que implica a exclusão do Parlamento regional.

http://dn.sapo.pt/inicio/economia/interior.aspx?content_id=1561005




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segunda-feira, 10 de maio de 2010

Igreja, crise e visita do Papa

Golgotha Crucifix, designed by Paul Nagel, Chu...Image via Wikipedia


António Campos

São três dados históricos que, embora não pareça, se entrelaçam no nosso actual quotidiano: a Igreja como componente social, a crise capitalista que tende a fugir a qualquer controlo e uma banal visita de um Papa que pode vir a ganhar outros contornos.
Como se sabe, é a Igreja que, a partir da sua estruturação, sugere ao sistema capitalista actual o esquema da sua organização política. A Igreja, tal como o capitalismo, invoca raízes éticas, fala uma linguagem metafísica mas procura na prática o lucro imediato e a qualquer preço. Tal como acontece com todos os sistemas capitalistas.

Foi assim que a Igreja enriqueceu colada a estruturas de poder cada vez mais ferozes e também cada vez mais opulentas. As regras da ética política tornam-se maleáveis e contam com o beneplácito da Igreja. Ao longo dos tempos – desde a Reconquista até aos finais dos finais do século XIX – tudo se mostrou favorável à expansão universal destes três principais parceiros: a Igreja, o capital e o poder. Depois, com o desenvolvimento sistemático das ciências, o aprofundamento dos métodos materialistas e dialécticos, a vitória socialista num grande país do mundo como era a Rússia czarista e com a desagregação dos grandes impérios coloniais, todo o panorama mundial se transformou radicalmente. Ainda assim, capitalismo e Igreja puderam recuperar o controlo da nova situação, para eles alarmante. Mantinha-se porém, a nível confessional, uma questão de fundo, hoje já praticamente inexistente no mundo católico – que é mais importante para o crente: ter fé e agir de acordo com a sua própria consciência moral e política ou curvar-se e obedecer cegamente aos interesses da Igreja do Papa? …

Se é verdade que as crises cíclicas sempre acompanharam a história do capitalismo, é não menos certo que nos tempos modernos e actuais elas têm sido cada vez mais numerosas, ganhando novos contornos e diminuindo os intervalos entre si.

A crise que vivemos (simultaneamente crise financeira, económica e de valores) não é comparável a muitas outras crises. Antecipa uma catástrofe global nunca vista. E não surgem mezinhas milagrosas que lhe acudam. Esta crise gera, como nas escleroses, uma girândola de novas crises. A bancarrota final desenha-se, cada vez mais nitidamente, nas sociedades convertidas ao capitalismo.

Nestes cenários de crise mundial, os governos capitalistas limitam-se a copiar mecanicamente as receitas já usadas por outros governos capitalistas, em tempos anteriores, para combaterem crises muito menos graves. Quebram a moeda, aumentam os impostos, vendem o património ao desbarato, extinguem ou inviabilizam direitos populares já conquistados, emprestam a juros cada vez mais altos, numa palavra, norteiam-se pelo princípio inflexível: «Nos bons velhos tempos, engordámos muito bem... Agora que venha o povo,… e pague a crise!».

Assim, esta vinda a Portugal de Bento XVI, pode ser entendida em três níveis interligados: dois deles secundários e um outro essencial. O primeiro é um grito de alarme. A Igreja precisa urgentemente de maquilhar as suas feridas. Os escândalos religiosos ligaram-se aos crimes financeiros das bolsas e da banca. O prestígio da Igreja entrou em derrapagem. Precisa-se de um milagre.

O outro nível, por ridículo que pareça, desenvolve-se a nível do comércio miúdo. A Igreja deve lucrar o máximo com gastos mínimos. Acumular, acumular, acumular, continua a ser uma linha de rumo, a «regra de oiro» da presença cristã no mundo. Neste sentido, o Papa não rejeita oportunidades: desde o negócio dos microfones em oiro aos cadeirais setecentistas, às dádivas das Fundações e das empresas, à partilha das «esmolas» com as ONG e as IPSS, aos «diabólicos» lucros dos jogos de azar das Santas Casas, a lista não tem fim. O Papa dá lucro.
Mas o fundamental destas digressões consiste no reforço das relações que unem a Igreja Católica e o sistema capitalista…

Jorge Messias (adaptado)




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sexta-feira, 7 de maio de 2010

O que se passa no quotidiano 2)

Everyday (Dave Matthews Band song)Image via Wikipedia


António Campos

Mesmo fazendo emergir meras silhuetas ou contornos do social através da sua alusão sugestiva, em vez da sua ilusão de posse, cabe perguntar: o que se passa no quotidiano?

O quotidiano - costuma dizer-se - é o que se passa todos os dias: no quotidiano nada se passa que fuja à ordem da rotina e da monotonia. Então o quotidiano seria o que no dia a dia se passa quando nada se parece passar. Mas só interrogando as modalidades através das quais se passa o quotidiano - modalidades que caracterizam ou representam a vida passante do quotidiano - nos damos conta de que é nos aspectos frívolos e anódinos da vida social, no «nada de novo» do quotidiano, que encontramos condições e possibilidades de resistência que alimentam a sua própria rotura.

Detenhamo-nos, com efeito, nesta simples constatação: se o quotidiano é o que se passa quando nada se passa - na vida que escorre, em efervescência invisível -, é porque «o que se passa» tem um significado ambíguo próprio do que subitamente se instala na vida, do que nela irrompe como novidade («o que se passou?»), mas também do que nela flui ou desliza (o que se passa...) numa transitoriedade que não deixa grandes marcas de visibilidade.

O que se passa no quotidiano é «rotina», costuma dizer-se. A ideia de rotina é próxima da de quotidianeidade e expressa o hábito de fazer as coisas sempre da mesma maneira, por recurso a práticas constantemente adversas à inovação. É certo que, considerado do ponto de vista da sua regularidade, normatividade e repetitividade, o quotidiano manifesta-se como um campo de ritualidades. A rotina é, aliás, um elemento básico das actividades sociais do dia a dia. No «conhecimento prático» ou «quotidiano» a rotina aparece como uma espécie de «cunha» entre as acções «inconscientes» (tomada a expressão no seu corrente sentido psicológico) e aquelas que são levadas a cabo de uma forma deliberadamente consciente.(…). No entanto, as raízes etimológicas de rotina apontam para outro campo semântico, associado à ideia de rota (caminho), do latim via, rupta, donde derivam as expressões «rotura» ou «ruptura»: acto ou efeito de romper ou interromper; corte, rompimento, fractura.

Ora é nestas rotas - caminhos de encruzilhada entre a rotina e a ruptura - que se passeia a sociologia do quotidiano, passando a paisagem social a pente fino, procurando os significantes mais do que os significados, juntando-os como quem junta pequenas peças de sentido num sentido mais amplo: como se fosse uma sociologia passeante, que se vagueia descomprometidamente pelos aspectos anódinos da vida social, percorrendo-os sem contudo neles se esgotar, aberta ao que se passa, mesmo ao que se passa quando «nada se passa». Daí as maledicências e apodos que por vezes se dirigem a uma tal perspectiva analítica e metodológica.

O paralelismo com o que aconteceu com a pintura de Caravaggio e Velázquez parece evidente. Do mesmo modo que as cenas banais da vida quotidiana foram consideradas um tema de pinturas de «género inferior» (os incómodos plebeus das tabernas...), também a sociologia do quotidiano é vista como uma sociologia «superficial» (facilmente seduzida pelo anódino, anedótico, inessencial) ou «indiscreta» (tentada pelo proibido, oculto, subterrâneo). Na pintura, como na produção científica, as inovações de estilo sempre afrontaram os padrões convencionais de observação…

Sociologia da vida quotidiana, José Machado Pais , 2007(adaptado)
(continua)


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quarta-feira, 5 de maio de 2010

A tragédia grega

A ruined temple, GreeceImage by National Media Museum via Flickr


António Campos

A crise na Grécia não é uma simples emergência passageira. É a prova de que a economia mundial permanecerá uma longa temporada, talvez mais de dez anos, submergida num letargo profundo. Transporta nas suas entranhas o anúncio de eventos nefastos. Em comparação com o terramoto grego, a queda do Lehman Brothers em 2008 poderia parecer um jogo de crianças. Não restam dúvidas, a ideia de que já entrámos numa fase de recuperação é brutalmente desmentida com o colapso da economia grega.

É agora bem sabido que para ingressar na zona euro em 2001, o governo grego ocultou a real magnitude do deficit público e de endividamento, para cumprir com os requisitos do Tratado de Maastricht (deficit fiscal e endividamento inferiores a 3 e 60 por cento do PIB, respectivamente). Em 2004, o Eurostat descobriu os truques contabilísticos e nesse ano o deficit foi recalculado, passando de 1,7 para 4,6 por cento. Em 2009 esse deficit atingiu 12,7 por cento do PIB. Por sua vez, o Goldman Sachs e o gigante em bancarrota AIG ajudaram a disfarçar o montante da dívida através de operações pouco transparentes nos mercados de derivados.

Quando ingressou na esfera do euro, a Grécia fê-lo com um tipo de câmbio sobrevalorizado, o que deu aos consumidores uma ilusão de prosperidade e o acesso a bens e serviços que antes estavam fora do seu alcance. A deterioração das contas externas gregas não demorou, e hoje o deficit comercial atinge 12,8 por cento do PIB.

Além disso, com as menores taxas de juros, tanto o sector privado como o governo aumentaram os seus níveis de endividamento. A dívida externa da Grécia ascende hoje a 260 mil milhões de euros e os vencimentos a curto prazo constituem uma séria ameaça: 30 mmde euros em Abril e Março (64 mmde euros ao longo do ano). O país não tem com que enfrentar esses vencimentos e a ameaça de uma moratória é real. As consequências para a Europa seriam graves.

A crise mundial apanhou a Grécia numa má conjuntura. A sua balança de pagamentos apresenta grande debilidade e as suas finanças públicas estão doentes.

Normalmente, um país nessas condições poderia recorrer a uma desvalorização. Mas por pertencer à esfera do euro, Atenas não controla a sua política cambial. Tanto a Grécia como a União Europeia enfrentam um perigoso dilema: uma saída grega da zona euro implica graves danos para o euro, mas permanecer nela aplicando um programa de austeridade implica uma recessão prolongada e difícil para a Grécia.

Os líderes da União Europeia insistiram em que não deixarão cair a economia grega, mas há muitas reticências. Na Holanda foi votada uma lei que proíbe usar recursos fiscais holandeses num eventual resgate dos gregos. Na Alemanha o sentimento é parecido. De qualquer forma, se se conseguir montar um pacote de salvamento para Atenas, o mais seguro é que virá acompanhado de terríveis condições de austeridade. Qualquer um que recorde os pacotes de austeridade pro-cíclicos impostos pelo FMI nas últimas décadas sabe muito bem o que isso significa.

Poder-se-ia pensar que se se mantivesse o deficit constante, o crescimento da economia grega poderia levar a cumprir a meta macroeconómica da sua redução. Mas no contexto de uma recessão mundial isso não sucederá. Parece que o sacrifício que a UE exigirá para ir ao resgate será descomunal: cortes fiscais a todo o tipo de prestações e na despesa social, além de uma avalanche de aumentos de impostos. Essas medidas de austeridade aprofundarão a recessão e reduzirão ainda mais a recolha fiscal, alongando a duração da emergência. Em todo este processo, o serviço da dívida passará por um colossal desvio de recursos da economia real para a esfera financeira.

Paradoxalmente, os embustes dos governos gregos poderiam apontar para uma porta de saída: o corte da despesa militar. Em 1991, quando as autoridades gregas mentiram sobre a magnitude do deficit público, parte do engano versou precisamente sobre a aquisição de elevadíssimos aviões militares. Em 2005, a despesa militar nesse país atingiu 4,3 por cento do PIB (dados de SIPRI). É evidente que esse deveria ser o primeiro filão para um programa de saneamento das finanças públicas. Na verdade, o montante preciso da despesa militar poderia ser maior. De qualquer forma, mesmo o corte na despesa militar não é suficiente para evitar o ajuste brutal que se imporá sobre o povo grego.

Como numa tragédia clássica, a Grécia tem frente a si opções que oscilam entre o terrível e o desastroso. Se aceitar um resgate condicional, sacrificar-se-á no altar da austeridade e sofrerá uma longa e brutal recessão. Se declarar a moratória, ficará isolada e os efeitos sobre os bancos da União Europeia serão desastrosos. O exílio poderia ser outra opção: a Grécia poderia abandonar o euro, o que se repercutiria negativamente sobre a credibilidade da união monetária e sobre a economia mundial. No género da tragédia, todos os caminhos conduzem à desgraça.

Alejandro Nadal



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segunda-feira, 3 de maio de 2010

A pedofilia é endémica à Igreja Católica?

Nativity of the Blessed Virgin Mary Catholic C...Image by sarowen via Flickr


António Campos

O flagelo da pedofilia tornou-se uma verdadeira doença orgânica da Igreja Católica. Nas condições actuais não pode ser derrotada pela acção hipócrita de censura, reprovação e condenação do Vaticano. Aliás basta olhar para o que fez a Igreja a todos os padres e bispos pedófilos americanos para perceber como, de facto, não reconhece a pedofilia como um crime e um comportamento inaceitável e classifica-a apenas como mais um "pecado" a ser excluído com a confissão.

No catecismo recentemente actualizado a pedofilia não é sequer mencionada no rol dos pecados. Em qualquer caso, a pena máxima prevista é pedir perdão e se arrepender. Como se o perdão e o arrependimento pudessem curar o dano quase permanente que marca as vidas das crianças abusadas para sempre. Até agora, a Igreja preocupou-se apenas em ocultar ao mundo as suas culpas, sem, na verdade, as reprimir.

Porque, entre as muitas religiões que existem no mundo, apenas a Igreja Católica está fortemente afectada de forma maciça pela doença da pedofilia?

Em primeiro lugar pela satanização da mulher, do sexo e do corpo. A mulher, apesar do culto da Virgem Maria e tantas santas, é concebida como instrumento do Maligno para corromper o homem corrupto.

Em segundo lugar pelo o celibato obrigatório. Se os padres pudessem casar-se e constituir família, poderiam ter uma vida sexual regular com a mulher que amariam, e certamente se criaria um ambiente mais normal dentro da rígida hierarquia da Igreja. Dentro de um par de gerações, o fenómeno da pedofilia poderia reentrar na normalidade fisiológica do mundo secular.

Em terceiro lugar pela monossexualidade da estrutura da Igreja. Do Papa ao padre da igreja de bairro a Igreja é gerida apenas por homens. Se as mulheres fossem admitidas ao sacerdócio em todos os seus graus até ao papado, se houvesse uma verdadeira igualdade entre homens e mulheres dentro da igreja, certamente tudo iria mudar para melhor. Mas isso não é possível e na fantasia da Igreja a figura de uma Papisa é vista como demoníaca. Lembramo-nos da história-lenda da papisa Joana assassinada por uma turba na alta Idade Média, por iniciativa dos cardeais do Idade Média.

Finalmente, devemos considerar que a Igreja vê a vida humana como processo de expiação e de redenção para a vida eterna. Uma espécie de antecâmara, como premissa, que deverá sofrer, sofrer tanta dor para ganhar o céu. Este ponto de vista distorce todos os valores em função de uma almejada vida eterna. Nesta distorção, a concepção demoníaca da carne em oposição ao "espírito", insinua-se a patologia pedófila.

Em conclusão: sacerdócio para as mulheres e o pleno reconhecimento da igualdade de género, fim do celibato, reabilitação do corpo humano sobre o chamado "espírito", pode curar a Igreja de pedofilia. Mas é difícil imaginar uma reviravolta humanista e secular de um poder que vive e prospera graças a proibições que impõe ao sexo e é incapaz de encontrar no Evangelho a sua motivação profunda da verdade.

por:Thynus Autor : Pietro Ancona




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