sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Falar, entender…as crianças (II)



 
1 - A criança, cont.

É assim que entramos pelas problemáticas das crianças. Os Códigos são espartanos na sua definição. A pessoa que falava no Seminário parece ter razão: a criança é um subentendido. A frase é minha e com amabilidade foi usada, devidamente citada, na exposição referida. Não consigo não repetir: a criança é um subentendido, um subordinado como denominei nas Actas do II Colóquio sobre a Investigação e Ensino das Antropologia em Portugal[8]. A minha teima tem sido sempre a ignorância que o adulto atribui à criança, mas, ao mesmo tempo, como esta criança sabe defender-se da ignorância que o adulto lhe oferece. Ignorância que não é apenas o facto de ser uma entidade despercebida, o que vive dentro de regras e horários que afastam as duas gerações. Se retorno à minha comprida citação, posso apreciar que a cultura do saber universal entrega aos mais novos um papel sem representação dentro do grupo: eis porque os autores citados dizem que se deve “talhar”, “construir”, um lugar dentro da sua cultura, porque um dia a cultura lhe dará o seu lugar social conforme a aprendizagem que tenha feito do saber, ou, como diz o começo do parágrafo 2, o indivíduo elabora a sua experiência de entre os materiais fornecidos pela cultura. É o caso que tenho observado entre as crianças Picunche da Villa de Pencahue, Província de Tralca, Chile e analisado em 1998 e 2000[9]. Toda criança tem como obrigação trabalhar a terra, tomar conta dos animais, ensinar aos mais novos a usar a tecnologia para não se ferirem, satisfazer a libido dos adultos da casa ou visitantes sem se queixar – política que faz parte do comportamento ritual de crescimento dos pequenos e das pequenas. Normalmente, pequenas reservadas para o pai, enquanto os “niños”, para os irmãos mais velhos, os irmãos dos pais, etc. Comportamento a ser reproduzido, como fui capaz de observar ao longo de mais de 40 anos, entre grupos diferentes de Picunche de sítios geográficos distantes do Chile. Criança que não tem adulto, é criança mal criada, uma vergonha social, desprezada, não querida, que acaba por procurar um homem na casa dos Homens que para este propósito, existem. Ou, durante certos anos da minha pesquisa, na Casa da Igreja Romana, com o Padre que acabou por fugir com um deles. Como relata Maurice Godelier no seu texto sobre La Production des Grands Hommes na Melanésia, em 1981[10]. Formas rituais de unir em relações reprodutivas os seres humanos no futuro, na idade madura. Esta forma de relação cria uma associação entre quem bebe esperma do outro ou recebe esperma por fellatio e as relações reprodutivas com a mulher mais próxima de quem dá e virá a ser a mãe dos seus filhos – irmã, filha de irmão, parente dentro do grupo clãnico no caso dos Baruya da Nova Guiné ou parente não consanguíneo directo em relação de ascendência – descendência, como entre os Picunche, Huilliche,Aimara, outros.

No entanto, esta forma de entender as relações deve passar antes pelas definições de idade e os conceitos que as pessoas têm ou lhe são atribuídas pelo seu grupo. Se uma introdução à análise das formas culturais de organizar as emoções já significa uma classificação, é preciso entender a classificação dos adultos perante as crianças, ou das crianças. Pensa-se que os mais novos não entendem, pode dizer-se tudo o que se quiser em frente deles por, ou já saberem tudo, ou ficarem com o seu “saber proscrito”, como diz Alice Miller[11]. Na sua obra, Miller analisa o saber dos mais novos em diferentes idades, como tinham Feito Freud, Klein, Bion, entre outros e vamos ver mais à frente. No seu livro de 1977[12], a autora – polaca de nascimento, refugiada na Suíça, terapeuta da Infância o Pedopsicóloga estuda a infelicidade da vida infantil dos pais de crianças que ela analisa mais tarde. Estuda especialmente o caso das mães a sofrerem todo o tipo de violência doméstica, como a vida a três do pai – a mãe da criança, a sua amiga por turnos e os comentários que deve ouvir por parte da mulher que se sente abandonado e mora, no entanto, na denominada casa familiar. O começo do texto é dramático na nossa cultura: a mãe e o pai não estão ajudar a “talhar” o lugar social na cultura do mais novo, até o título do primeiro Capítulo define uma relação invertida: é o filho bem dotado que deve ouvir a mãe nos seus prantos, angústias e depressões. Ora, esses três sentimentos, como Klein diz no seu texto Inveja e Gratidão[13], fazem parte da defesa dos pequenos perante esse falar descontrolado de um adulto cuja epistemologia não entende, ou não são mutuamente entendidas. O título de Miller é El drama del niño dotado y como nos hicimos terapeutas, para estudar em 50 páginas a vida de uma infância reprimida que a criança deve fazer falando de tudo, excepto da verdade e viver de ilusões do que não existe e não é: esse lar calmo, sereno, estudado, sabido, fiel. É o que, ao longo do texto, denomina ilusões de infância, a danificar a vida adulta. Como aconteceu com esses pais, rebentos de pais desleais, dotados com a capacidade de ouvir, para passar a ser o próximo mais novo a ouvir. Determinados pela história dos pais com os seus avós, a infância foge da realidade e esconde a falta de amor na solidão e no abandono infantil, na leitura, no encerramento nos seus aposentos, que passam a ser dele, com a grande proibição de aí entrar todo e qualquer maior que traga as suas tristezas ante uma mente capaz de entender o mundo, excluindo a sua família. Sentimentos materializados em actividades que fazem dele uma criança dotada. “La represión del sufrimiento infantil no solo determina la vida del individuo, sino también los tabúes de la sociedad[14]. A solidão e o abandono infantil são motivos de profundo transtorno das pessoas dotadas: nascem da ausência do prazer e do carinho na infância. Alice Miller apenas estudara vida de Sakespeare, Joan Crawford, Charles Chaplin, Mozart, Beethoven e Einstein, para sabermos a base da sua genialidade. Ou Sartre, Bouvoir, Bourdieu, Godelier…a falta de infâncias douradas….Típico do caso de Maurice Godelier. A segunda parte do título desta sua primeira grande obra define a ilusão do amor e a ilusão de ser pai…

Mas, e a criança, como Freud, Klein, Dolto, analisam? Não há razão da parte delas para essa infelicidade? Para a infelicidade que não conhecemos, que não sabemos por falta de observação e de aprendizagem especializada? Mas, que elas no seu agir, palavras e comportamentos individuais e em grupo, nos ensinam quase sem palavras? Porque não há apenas o silêncio do saber proscrito e a infelicidade adulta do pequeno dotado. Há também uma realidade que nasce da própria realidade, enquanto a criança, cuja idade muda e situação social é “retalhada”, o ter uma percepção do real, que Wilfred Bion denominaria entender que há um infinito ao qual pertencemos, como seres finitos que somos e que essa finitude deve entender a relação para não entrar na omnipotência que define parte psicótica do nosso ser[15]. Essa criança passa por diferentes estádios enquanto repara que a base da sua vida – a alimentação –, vem de um corpo estranho[16].

Hoje em dia sabemos que a relação adulta/criança começa bem antes do nascimento da mesma, como tinha já indicado na noção anterior ao comentar textos de Eduardo Sá. O facto de recentemente se ter descoberto do papel que joga o líquido amniótico entre o corpo da mãe e o mundo exterior – um ouvido que amplifica o que acontece fora do ventre materno, faz com que os sons passem a ser naturais, costumeiros, ou desagradáveis e pouco simpáticos. Ou se ouve Mozart e se fica habituado à melodia calmante, ou podem ouvir-se debates e más palavras. Relações simpáticas ou antipáticas, estudadas pelos nossos analistas e a sua influência no futuro adulto. Não esqueço o bebé que chorava ao ser amamentado: faltava-lhe a viola com Granados a ser tocado, enquanto a mãe brincava com a viola no colo[17]. A análise da função do líquido amniótico, é já antiga, faz mais de 50 anos que médicos, pediatras e terapeutas, procuram uma relação com a capacidade de autonomia da criança ou com a capacidade de comandar os outros, que vários autores analisam, a ditadura da Infância. Anos de estudo e o saber vai-se acumulando, até chegarmos hoje em dia à procura da genética do genoma humano. “O córtex é soberano e, ao mesmo tempo, deixa-se suplantar docilmente pelo reptiliano. O carácter não se sente ameaçado e por isso cede, derrete-se docemente, permitindo que o cerne fique exposto, pulsante, vibrante. “É a necessidade “libertar-se” da actividade mental, com o intuito de reencontrar a unidade psicossomática”, como diz Winnicott”[18].(…)

Raul Iturra

Julho 2011

Aventar

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Falar, entender...as crianças (I)




"As crianças, vêem, ouvem e calam, especialmente em dias como estes, em que tudo está a mudar e nós devemos seguir essas pegadas para ultrapassar a miséria. A criança fala, mas não entende do mundo dos mais velhos, menos ainda de finanças, acordos partidários e convénios políticos e sindicais.

1. A criança (A)

Foi a frase de uma das pessoas que trabalha comigo, durante um Seminário de Etnopsicologia da Infância, a decorrer durante o ano académico. De imediato várias ideias saltaram na minha cabeça. A primeira coisa que me ocorreu foi perguntar: o que é uma criança? Conceito definido por teorias de várias escolas que percorrem o mercado  da erudição académica, já comentadas no Cap. anterior. No entanto, a criança é uma entidade heterogénea de idades diferentes: há a cronologia que acompanha o transcorrer da sua vida, há capacidades definidas conforme as possibilidades de entendimento do real há o contexto que rodeia os mais novos e os adultos que definem o conceito.

A ideia é analisada no Curso de Etnhopsyquiatrie e de Etnopsicologie francesa, texto que apoia o desenvolvimento da minha hipótese sobre a etnopsicologia da infância[1]: “L’ethnopsychiatrie est une méthode d’investigation qui s’efforce de comprendre la dimension ethnique des troubles mentaux et celle, psychiatrique, de la culture. La classification des maladies est différente d’une culture à l’autre. Le “Shaman” a un rôle de “psychanalyste autochtone” faisant appel à des mythes sociaux. C’est quelqu’un de déviant, catalyseur de la communication vers le savoir sacré, interprète du divin auprès du commun des mortels. L’ethnopsychiatrie se donne pour but de donner un sens culturel à la folie.

La culture est l’ensemble des matériaux dans lesquels nous (individu et société) puisons pour élaborer nos expériences. La nature c’est l’expérience, et la culture c’est l’élaboration de cette expérience. Cette élaboration se fait selon une organisation, une structure, un ensemble de règles et de signifiants propres à chaque ethnie. Ces règles et ces signifiants sont à la fois relatifs et universels (Une ethnie est un groupe qui partage les mêmes signifiants culturels). Une culture donnée imprègne les individus, et ces derniers transforment leur culture. L’individu doit intérioriser la culture du groupe dans lequel il est né, et s’y tailler une place. Le groupe quant à lui, doit l’intégrer en lui donnant l’exercice d’un rôle, d’une fonction, et transmettre sa culture par l’éducation. L’ethnopsychiatrie peut aussi se définir comme étant l’étude du rapport entre: Un comportement psycho-pathologique, des services thérapeutiques et les cultures d’origine du patient et de son thérapeute. Une telle analyse doit alors reposer sur une série de postulats concernant la culture et la personnalité. Ces choix de départ guideront la façon dont on définira le champ des questions et des problèmes[2].  

Por outras palavras, as formas de entendimento do real acabam por ser diferente entre uma cultura e outra, donde natureza é experiência e cultura elaboração dessa experiência. Esta ideia que queria salientar, derivada de três autores para nós importantes. São eles: Alfred Kroeber, Clyde Kluckhohn e Claude Lévi-Strauss, especialmente no seu texto La pensée sauvage[3]. Estes três autores, de forma diferenciada, dão uma pista para entendermos que todo grupo social tem uma forma diferente de classificar os seus e de hierarquizar as formas de pensamento. Lévi-Strauss vai longe na sua forma etnológica de estudar a realidade não para entrar no “pensamento do selvagem”, mas nas formas de pensar universais. Para definir, para nós, o pensamento em estado selvagem antes de entrar ou em contactos com outras culturas ou enquanto se mantém a forma de definir o que citei ao começo: “definir as formas étnicas dos problemas mentais”. Note-se que não falo de mente “doente”, mas da dimensão étnica, de entender como a cultura contextualiza o pensamento das pessoas de um grupo social. Pelo que, o autor fala de mito, clã, a lógica destas classificações, definidas como correspondentes ao comportamento das categorias, ou formas de classificar as formas de interacção social conforme as actividades desempenhadas pelo indivíduo dentro da sua etnia e grupo social e clãnico. Este entendimento desenvolve as ideias do particular e do universal dentro de uma redescoberta do tempo, que une o geral ao particular, o abstracto ao concreto.Pelo que na citação referida no parágrafo 2, a cultura é definida como o conjunto dos materiais dentro dos quais nós – indivíduos e sociedade, somos capazes de elaborar as nossas experiências. O indivíduo interioriza a cultura do grupo para se organizar no espaço que lhe é conferido – conforme as suas capacidades e o espaço social dentro do qual nasceu – pelo próprio grupo que impinge a cultura através do sistema educativo[4].

Por outras palavras, a minha intenção com a citação referida e os seus comentários, é ser capaz de entender que temos duas alternativas: ou analisamos comportamentos “modelares de doença” individual por afastamento do agir cultural; ou analisamos a cultura para entender o seu processo estrutural como forma de agir sobre o indivíduo e o seu grupo, no presente e através do tempo histórico. O que me leva a voltar a citar a última parte do 2º parágrafo do texto supracitado: “Estas regras e o seu significado são, ao mesmo tempo, relativas e universais…Uma cultura determinada impregna os indivíduos, enquanto estes a transformam”[5].O indivíduo precisa interiorizar a cultura dentro da qual nasce e organizar um espaço social para ele. Esta frase, para mim, é fundamental para entendermos o meu objecto de pesquisa, que definiria apenas assim: qual a base da dinâmica do comportamento da criança? Pergunta de difícil resposta, não apenas por causa das, já referidas, diferentes culturas impingidas, bem como pelas diferentes escolas que recentemente têm definido, que a criança é um ser traumatizado, como disse ao citar Boris Cyrulnik no encerramento do Capítulo anterior[6].

Bem podia dizer que uma criança é um ser inocente, sem responsabilidade, como define o Código de Direito Civil citado antes, e o de Direito Canónico[7]. Este Código, com valor legal em Portugal, não define menor, mas por oposição, ao definir maior, ficamos a saber que um menor não tem pleno exercício dos seus direitos: não pode comprar e vender, casar, procriar, viver de forma autónoma, etc."(…)

Raul Iturra

Julho 2011

Aventar

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Ruralidades



 
 "O título não é meu. Pertence a uma equipa de intelectuais  que criou um espaço de debate, para debater a crise económica e política que nos afecta. Como a toda a Europa, excepto aos países precavidos que sabem investir o seu dinheiro em bens que rendem lucro.


Temos herdado, desde os tempos em que o nosso país entrou na então Comunidade Europeia, um deficit de moeda para investir, lucrar e obter mais-valia dos bens que o nosso mercado pode criar e vender. No entanto, Portugal foi sempre um país pobre. Em 1984, foi aceite na União Europeia, o dinheiro que entrou foi usado em construção de estradas, que não havia, em melhorar as comunicações dentro do país, modernizar os paços mais antigos, para servir de habitação de férias de Verão para que cidadãos de outros países visitassem a nossa Nação. Nação que tem tido como a sua melhor riqueza, essa rica geografia da que foi dotada na criação do mundo, com casas lindas nascidas do imaginário fértil da mente lusa. O dinheiro esgotou-se. Ficamos pobres para investimentos. Começou uma crise económica por falta de produção de bens que criam lucros, como foi ensinado por Adam Smith em 1776, ou David Ricardo em 1817, ou Marx em 1862. A lição não foi aprendida, menos ainda para ser usada em estaleiros, fábricas, indústrias para construir carros, expandir a indústria do calçado e da cortiça dos sobreiros nascidos em imensos hectares no Alentejo, cortiças que, exportadas, são uma mercadoria que enriquece o proprietário da terra e ao Estado por meio dos impostos.
 
Este tráfego de vender bens naturais e, em troca, receber garrafas para guardar o vinho que Portugal produz em abundância, especialmente o do Norte, o vinho do Porto, produto luso, procurado por países que o desejam para os seus rituais ou para beber em jantares públicos ou privadamente em casa. Assim foi como passamos a ser um país de pedintes: o Primeiro-ministro do nosso governo viaja em classe económica, para demonstrar que os transportes comuns, não diminuem nem a importância do cargo nem os trabalhos que o cargo impõe. Conhecendo a ideologia do governo de turno, parece-me que este andar a pé como todos, é uma lição para outros políticos da sua ideologia ou para ser imitado pelos dos outros partidos que formam a Assembleia da nossa soberania. O entusiasmo da vitória, do convénio com outro partido para governar com maioria absoluta, incitou a que os parceiros do governo imitassem esta facto e começassem a andar de bicicletas, em motorizadas (Paulo Portas) ou a pé. Como já se faz durante largos anos em outros países da Europa do Norte. A Rainha Beatriz da Holanda percorre a cidade em bicicleta, excepto para cerimónias oficiais e rituais. Ou a nova modalidade adoptada pela Rainha da Grã-Bretanha, que faz as compras de casa, acompanhada por membros da família ou empregados. Entenda-se bem que não estou a louvar, apenas avaliar um comportamento que pode ser produto de vitórias politicas ou exemplo para animar a plebe.
 
Plebe que andou em transporte públicos desde sempre, especialmente em época de crise, teve de procurar uma outra alternativa para a sobrevivência: hortas dentro da cidade, como forma de semear e comer o produto da sua actividade. A horta citadina tem passado a ser um meio de poupança e de defesa do consumidor. Eis porque denomino este texto ruralidades: o campo teve que entrar na cidade para colaborar a sair da crise que nos afecta desde 1984. As Rainhas podem andar como entendam, é apenas um gesto de prazer. Os pobres não, precisam das suas hortas, cuidadas pela parte da família que não tem trabalho por falta de emprego. Uma parte da casa trás o dinheiro para o investimento nas hortas citadinas; a outra, as trabalha. É apenas a pobreza que nos ataca, e nós povo sabemos defender-nos bem.(?)"

Raul Iturra

Julho 2011

No Aventar

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

O pecado através dos tempos (V)



 
 5. A garantia

É verdade que a teoria do pecado é fruto dos cultores da letra, saibam ou não escrever, como aconteceu até ao século XI, produzam ou não conhecimento, como acontece até hoje, especialmente quando o saber e a qualidade do Espírito Santo assiste à cátedra, isto é, ao Papado. Mas também é verdade que o que dizem os letrados não é bem entendido pelo povo, que tem a sua própria teoria das acções. Em primeiro lugar, o que os letrados definem tem por limite a possibilidade de governar o povo dentro de limites que não impeçam o trabalho: quer na compilação canónica do bispo Graciano, a partir do século XI, quer na preocupação teológica e económica de Tomás de Aquino com preços, usura, justiça e riqueza; quer ainda na compilação canónica do papa actual; a regulamentação tem um conjunto de excepções, e que faz da excepção a regra para saber como agir na realidade.

Cuidadosamente divididos os pecadores, – que tentam, induzem, e fazem as formas, pensamento, acção, bem como os conteúdos e as fontes – soberba, luxúria, ira, gula, inveja, preguiça, as interdições são transmitidas à população por via da palavra. Apropriada pela Igreja como forma de governo que tem por destino negro a culpa e o Inferno com um Purgatório que foi criado para sua credibilidade na Idade Média, a teoria do pecado é a que aplica um grupo social, cuja conduta é o resultado da memória oral, em que o que se faz é resultado da memória cuidadosamente repartida entre todos os indivíduos segundo a idade e condição, cuidadosamente desenvolvida ao longo do ciclo da vida. Assim, os Maori decidiram que cada filho não casado seja irmão da sua mãe, e o pensamento judeu cristão criou um código ético que crentes e não crentes vão praticando conservadoramente para que não se esqueçam, numa perspectiva de solidariedade que incentiva o convívio dos pequenos grupos de trabalho onde se processa a vida social urbana ou rural, e que garanta a sanção da acção positiva, em direcção ao bem. O mesmo princípio que a cultura letrada usa na lei, e que Mill (1861) e Freedman (1979) recolheram: quem peca é quem, para a teoria dominante da reprodução social, não sabe manipular os seus corpos e bens de acordo com os padrões definidos, conjunturalmente, do agir. E é o que a Igreja Católica Romana tem acautelado através dos tempos. O pecado garante, assim, a produção da sociedades aos recursos produtivos que prevalecem num tempo histórico e ajustam o pensamento à acção desejada para os obter.


FIM


Raul Iturra

Julho 2011

No Aventar