sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

O Poder Simbólico

A segment of a social networkImage via Wikipedia


António Campos

O autor aponta para a necessidade de relativizar a proposta do texto, pois o mesmo é fruto de uma “tentativa para apresentar o balanço de um conjunto de pesquisas sobre o simbolismo numa situação escolar particular…” ele fala do cuidado que se deve ter ao aplicar ideias oriundas de um dado contexto cultural a outros, apontando para as suas implicações: riscos de ingenuidade e simplificação, além de inconvenientes. Entretanto, ele fala de algo que está em toda parte e é ignorado: o poder simbólico.”O poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo o exercem.”

Bourdieu cita os neo-kantianos e o tratamento dado por eles aos diferentes universos simbólicos: mito, língua, arte, ciência. Para eles, cada um desses instrumentos constitui-se num instrumento cognoscente e de construção do mundo objectivos. Ele faz referência a Durkheim e à sua tentativa de elaborar ciência, sem empirismo e apriorismo, como o primeiro passo na inauguração de uma “sociologia das formas simbólicas.” “Nesta tradição idealista, a objectividade do sentido do mundo define-se pela concordância das subjectividade estruturantes (senso = consenso).” Segundo ele, a análise estrutural seria capaz de analisar a apreensão de cada uma das “formas simbólicas”, a partir do isolamento da estrutura imanente a cada produção simbólica, privilegiando as estruturas estruturadas. Para ilustrar, ele cita o linguista Ferdinand Saussure, fundador desta tradição, e a representação que ele faz da língua:“… sistema estruturado, a língua é fundamentalmente tratada como condição de inteligibilidade da palavra, como intermediário estruturado que se deve construir para se explicar a relação constante entre som e sentido.”

A eficácia dos sistemas só é possível, porque eles próprios são estruturados. O poder simbólico constrói a realidade e estabelece uma ordem gnosiológica.“… o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) supõe aquilo que Durkheim chama o conformismo lógico, quer dizer, ‘uma concepção homogénea do tempo, do espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências.” Segundo Bourdieu, Durkheim afirma que a função social do simbolismo é política, não se realizando a função de comunicação. “Os símbolos são instrumentos por excelência da ‘integração social’: enquanto instrumentos do conhecimento e de comunicação (a análise durkheimiana da festa), eles tornam possível o consenso acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social: a integração ‘ilógica’ é a condição da integração ‘moral’.”

Bourdieu cita a ênfase nas funções políticas que os “sistemas simbólicos têm, em detrimento da sua função gnosiológica. Os símbolos seriam produzidos para servir à classe dominante. “As ideologias, por oposição ao mito, produto coletivo e colectivamente apropriado, servem interesses particulares que tendem a apresentar como interesses universais, comuns ao conjunto do grupo (…) Este efeito ideológico, produz a cultura dominante dissimulando a função de divisão na função de comunicação: a cultura que une (intermediário da comunicação) é também a cultura que separa (instrumento de distinção) e que legitima as distinções compelindo todas as culturas (designadas como subculturas) a definirem-se pela sua distância em relação à cultura dominante.”

As relações de comunicação são, para Bourdieu, relações de poder determinadas pelo poder material ou simbólico acumulado pelos agentes envolvidos nas relações. Os “sistemas simbólicos” actuam como instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e conhecimento e asseguram a dominação de uma classe sobre outra a partir de instrumentos de imposição da legitimação, “domesticando” os dominados. “O campo de produção simbólica é um microcosmos da luta simbólica entre as classes: é ao servirem os seus interesses na luta interna do campo de produção (e só nesta medida) que os produtores servem aos interesses dos grupos exteriores do campo de produção.”

A luta de classes fica retratada na teoria de Bourdieu como uma luta pelo domínio do poder simbólico, que é travada nos conflitos simbólicos quotidianos. Esta luta se dá também a partir do embate travado entre os especialistas da produção simbólica legítima: “… poder de impor – e mesmo de inculcar – instrumentos de conhecimento e de expressão (taxionomias) arbitrários – embora ignorados como tais – a da realidade social.” Os “sistemas simbólicos” são produzidos e apropriados pelo próprio grupo, ou por um corpo de especialistas que conduz à retirada dos instrumentos de produção simbólica dos membros do grupo. Como exemplo, Bourdieu cita a história da transformação do mito em religião. As ideologias devem a sua estrutura e as funções mais específicas às condições sociais da sua produção e da sua circulação, quer dizer, às funções que elas cumprem, em primeiro lugar, para os especialistas em concorrência pelo monopólio da competência considerada (religiosa, artística etc) e, em segundo lugar e por acréscimo, para os não-especialistas.” As ideologias, segundo Bourdieu, são determinadas pelos interesses de classe e pelos interesses específicos daqueles que a produzem e pela lógica específica do campo de produção.

“A função propriamente ideológica do campo de produção ideológica realiza-se de uma maneira quase automática, na base da homologia de estrutura entre o campo de produção ideológica e o campo de luta de classes. A homologia entre os dois campos faz com que as lutas por aquilo que está especificamente em jogo no campo autónomo produzam automaticamente formas eufemizadas das lutas económicas e políticas entre as classes.’ O ideológico aparece então como taxionomias políticas, filosóficas, religiosas, jurídicas etc. que demonstram legitimidade “natural”, dado que não reconhecidas. O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a acção sobre o mundo, portanto mundo, poder quase mágico que permite o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou económica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário.”

“O reconhecimento do poder simbólico só se dá “na condição de se descreverem as leis de transformação que regem a transmutação das diferentes espécies de capital em capital simbólico e, em especial, o trabalho de dissimulação e de transfiguração (numa palavra, de eufemização) que garante uma verdadeira transubstanciação das relações de força fazendo ignorar-reconhecer a violência que elas encerram objectivamente e transformando-as assim em poder simbólico, capaz de produzir efeitos reais sem dispêndio aparente de energia.”


BOURDIEU, Pierre. “Sobre o poder simbólico”. In : O poder simbólico. Lisboa : DIFEL, 1989. p. 7-15. (adaptado)



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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

La crisis económica en el cine

ROME - OCTOBER 17:  Actor George Clooney (C) d...Image by Getty Images via Daylife


António Campos

Este fim de semana passado, vi dois filmes, o "Capitalismo: Uma história de amor", de Michael Moore e "Up in the Air" de Jason Reitman. Os dois são diferentes, mas têm um elo comum na confusão que está causando a actual crise económica, especialmente entre aqueles que perdem seus empregos. Além da crise, os dois filmes mostram a dureza do sistema económico que nos rege. Sem dúvida, ambos os filmes são uma boa lição de economia que excede de longe as oferecidas por muitos economistas modernos. Eu acho que é melhor o filme de Reitman, e que não põe em causa aspectos interessantes oferecidos Michel Moore.

"O capitalismo: A Love Story" é avaliado por muitos como o direito demagógico, e tentar desacreditar, como é habitual nestes casos, porque não há dúvida que abala a nossa consciência justamente dizendo tanto as consequências da situação, como o papel das pessoas são realmente a causa da crise. Em qualquer caso, se o filme é marcado como "demagógico", podemos dizer que ele realmente reflecte é a demagogia dos factos. Nada há de errado há mentira. Mas alguns parecem tão exagerados trazendo casos concretos para a categoria geral, ou talvez pintar uma caricatura, tanto quanto aqueles que podem ser responsáveis pelo desencadear da crise.

Infelizmente, os casos não são excessivamente uma minoria, e em qualquer caso, reflectem os dramas humanos, que foram muito poucos os que, embora este não seja o caso, nós somos uma das características do sistema: a sua desumanização. O crescimento, os lucros excessivos, a especulação, o consumo desenfreado, a exploração a que são submetidos muitos trabalhadores que têm poucos direitos laborais, a dignidade própria domina as vidas que estão irremediavelmente perdido seus empregos, suas casas e propriedades. Alguns grupos ou famílias lutam, não demitir-se e defender o que eles adquirem para elas é essencial, trabalho, casa ou determinados tipos de seguro de vida. Lutas de que realmente nós não temos ouvido falar de qualquer tipo. Vemos também algumas posições religiosas, incluindo algumas que um ou outro bispo, em favor dos trabalhadores.

Uma das melhores coisas do filme é quando ele descreve o comportamento dos homens de Wall Street, que impõem seus pontos de vista sobre as finanças e garantir a sua posição dominante em posições de governo na era Bush, mas também na de Obama, apesar dos elogios e expectativas colocadas sobre ele. Sem mencionar quando ele denunciou o facto de que os bancos deixaram à tona com o dinheiro dos cidadãos, que não só voltou, mas que lhes permite voltar ao seu velho truque novamente. No entanto, Michael Moore não se limita a acusar os homens da crise, mas um sistema, caso em que o capital, com suas formas manifesto do governo actual, oligárquica, e antes que se opõe à democracia: do povo, que está longe de ser alcançado.

Em suma, um filme interessante e eu recomendo ver, porque é certamente muito esclarecedor sobre o que acontece, mesmo com falhas, como tentar muitas questões de uma só vez, o que obriga a ir um pouco mais rápido, às vezes de uma forma desarticulada e que as questões que são específicas para os Estados Unidos podem ter dificuldade em ser compreendidas pelos telespectadores europeus. Isso faz com que um filme que não seja redondo, e que é a minha opinião, uma oportunidade perdida de ter investigado mais e melhor neste assunto.

Quanto ao outro filme que tem George Clooney como protagonista principal é um homem que tem uma vida bastante desagradável logo quando as empresas querem reduzir sua força de trabalho. Um homem vivendo em um avião, nos aeroportos, hotéis. Viver em luxo, mas que não têm um lar estável, sem família ou as relações pessoais. É a face mais cruel de um sistema que gera um homem que assume os riscos de vida a uma velocidade vertiginosa, cheia de cartões de crédito, que tira proveito da tecnologia e hotéis de luxo e classes superiores dos aviões, e por um lado, é dedicado à eliminação e o outro é um fracasso por não ser capaz de apreciar as pequenas coisas da vida, as relações humanas e a amizade.

O tema em si é atemporal e não há necessidade de colocá-lo na crise, mas chegou a pessoas reais, que foram demitidas no ano passado como resultado da crise. As cenas dos despedidos estão se movendo, e como salientou o director quis dar uma cara para os números. É um filme bom, muito bem feito, com bom ritmo, com um sentido de humor e do carácter representa Clooney, que, no entanto, não é desagradável, apesar de seu jeito frio de agir, mas ajuda o seu belo físico.

Em suma, com estes dois filmes não apenas apreciados, mas também aprendi, que serviram para aumentar a consciência do mundo injusto, insuportável e competitivo em que vivemos. Eles servem para mostrar o lado obscuro do sistema, e que nenhum erro quando tenta descobrir onde as responsabilidades porque tantas vítimas sofrem as consequências, quer tenham ou não criado uma situação extrema tão grave como sofrimento.

Carlos Berzosa


http://www.sinpermiso.info/textos/index.php?id=3061



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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A etnicidade nas sociedades europeias

silent prayersImage by Ali Brohi via Flickr


António Campos

Passadas cerca de três décadas, o que se verifica é que o prolongamento da estadia
não só não trouxe a esperada integração, como os problemas inicialmente colocados
foram transmitidos pelos primeiros imigrantes às gerações seguintes, já nascidas
nas sociedades receptoras. Tomou-se, assim, evidente que o que estava em causa não eram só questões provisórias de integração e de assimilação. Deixa-se de falar apenas de imigrantes e imigração e começa a utilizar-se conceitos como minorias étnicas ou etnicidade para designar um campo de análise que vai integrar os mais variados aspectos do percurso duradouro dessas pessoas e dos seus descendentes nas sociedades de acolhimento (...).

Com efeito, podemos dizer que a etnicidade é tanto mais forte quanto maiores são os
contrastes das minorias com as populações das sociedades receptoras num conjunto
de dimensões sociais e culturais. Nas primeiras podemos incluir a localização residencial, a estrutura etária e sexual, os níveis de escolaridade e a composição de classe; as segundas compreendem as diferenças no plano religioso, linguístico,
racial, matrimonial e dos modos de vida.

João Ferreira de Almeida,(adaptado)





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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Jogos políticos condicionaram escolhas Constâncio eleito para o BCE no interesse da Alemanha

Head office, Deutsche Bundesbank (German Feder...Image via Wikipedia


António Campos

A nomeação para a vice-presidência do Banco Central Europeu abre portas para que um alemão assuma a liderança da instituição.

Como previsto, Vítor Constâncio, governador do Banco de Portugal (BP), foi ontem escolhido pelos países da zona euro para vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE), uma decisão que resulta sobretudo da vontade da Alemanha de aceder à presidência da instituição.

A decisão foi tomada pelos ministros das Finanças dos 16 países da zona euro e será hoje confirmada pelos mesmos titulares da totalidade da União Europeia (UE). O processo da sua nomeação, que necessita de um parecer do Parlamento Europeu, será concluído pelos líderes dos Vinte e Sete na cimeira de 25 e 26 de Março.

Enquanto governador do BP, Constâncio tem desde 2000 assento no Conselho de Governadores do BCE, composto por todos os países membros, que define a política monetária da zona euro (sob proposta dos seis membros do comité executivo). Nas novas funções, herdará a responsabilidade pela supervisão financeira exercida pelo grego Lucas Papademos, cujo assento assumirá a 1 de Junho.

A escolha do ex-secretário-geral do PS escancara a porta para Axel Weber, governador do Bundesbank, o banco central alemão, aceder à presidência do BCE quando o mandato do actual titular, o francês Jean-Claude Trichet, terminar em Outubro de 2011.

De acordo com a imprensa alemã, a nomeação do português concretizou-se por vontade expressa de Angela Merkel, chanceler federal, de promover a candidatura de Weber. O WirtschaftsWoche afirmou mesmo que a chanceler "orquestrou" um apoio maioritário dos 16 países do euro em favor do candidato português. Afastados ficaram assim os outros dois candidatos - o governador do Banco do Luxemburgo, Yves Mersch, e o director do Banco Nacional da Bélgica, Peter Praet - que ontem ainda se mantinham na corrida.

Segundo as regras tacitamente aceites pelos países do euro, entre os seis membros do comité executivo do BCE, quatro são "cativos" para os quatro maiores países - França, Alemanha, Itália e Espanha -, sendo os outros dois exercidos pelos restantes países com base numa rotação que tem em conta o equilíbrio entre o Norte e o Sul, grandes e pequenos Estados e "pombas" e "falcões", ou seja, os defensores de uma política monetária virada para o controlo intransigente da inflação, e os mais sensíveis à promoção do crescimento económico. Constâncio é geralmente considerado uma "pomba".

Igualmente assente estava a atribuição da nova vaga a um dos países fundadores do euro que nunca tiveram assento no comité executivo. O que limitava a escolha a Portugal, Bélgica, Luxemburgo e Irlanda.

De acordo com o que afirmou em Janeiro o próprio Vítor Constâncio, a escolha não é feita "com base no mérito mas enquanto resultado de uma negociação entre os governos".

No centro da negociação estava, precisamente, a candidatura alemã à presidência do BCE, que, de acordo com a convicção generalizada, só se poderá materializar com a nomeação de Constâncio. Ao invés, se a escolha dos Dezasseis tivesse incidido sobre um dos outros dois candidatos, o respeito pretendido pelos diferentes equilíbrios excluiria Weber, abrindo a porta ao italiano Mario Draghi.

De nada serviram assim os protestos feitos durante o fim-de-semana por Jean-Claude Juncker, primeiro-ministro do Luxemburgo e presidente do Eurogrupo numa entrevista ao Süddeutsche Zeitung, contra o facto de o seu candidato ser preterido "por razões que estão no futuro".

A nomeação de Constâncio significa que durante os próximos oito anos haverá dois portugueses entre os vinte e dois membros do Conselho de Governadores do BCE - um por cada um dos dezasseis membros do euro - incluindo Portugal -, mais os seis membros do comité executivo.

Isabel Arriaga e Cunha

Publico Fev 2010



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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A democracia pós-moderna

Democracy in ActionImage by Flyover Living via Flickr


António Campos

A democracia pós-moderna é "democracia sem democratas". Substituiu o sujeito da intimidade por uma identidade pessoal sem pessoa, baseada não em valores morais admiráveis e dignos de renome, mas no modelo das celebridades e dos "conselheiros em comunicação".

A democracia moderna se expressa na ideia de espaço público, cuja certidão de nascimento foi a polis grega. Inventora da política, esta significou o advento da isonomia (as mesmas regras válidas para todos os cidadãos), da isegoria (todos podendo tomar a palavra em público) e da democracia, porque todos igualmente legisladores. Findava então o poder privado, cujos modelos foram o pater famílias, o comandante militar e o chefe religioso. Por isso, a democracia moderna se fundava em leis pan-inclusivas e universalizantes, baseadas no indivíduo considerado racional e livre. Suas instituições mediavam conflitos e acordos, como partidos, sindicatos, federações patronais, movimentos sociais e organizações de base, que produziam uma determinada representação de si constituindo, assim, sua identidade.

A democracia pós-moderna é "democracia sem democratas". Substituiu o sujeito da intimidade por uma identidade pessoal sem pessoa, baseada não em valores morais admiráveis e dignos de renome - como Sócrates que, por seu modo de vida filosófico, tornou-se o patrono da filosofia -, mas no modelo das celebridades, a que, na política, correspondem "conselheiros em comunicação". Se a democracia moderna valia-se do “decoro e do discreto”, estes indicavam o que deveria estar “ fora do campo de visão”— o obsceno, o “excluído da cena, o intolerável ao olhar ou ao pudor (assassinatos, grandes deformidades corporais, crueldades, pornografia, sentimentos pessoais, emoções, preferências religiosas ou sexuais). A democracia pós-moderna, ao contrário, promove a desinibição, triunfando a visibilidade total, uma vez que tudo merece ser visto, tanto o palco quanto os bastidores, o corpo, a consciência e o inconsciente. Da sala de estar ao quarto de dormir, tudo deve ser “democratizado” porque neles também há injustiça, poder e dominação, como na sociedade.

Desaparece a Lei moderna que postulava os homens responsáveis e iguais, de modo que a justiça pós-moderna os entende “particularizados” em grupos. Porque a pós-modernidade é a da sociedade de massa, do consumo e do espectáculo, a individualidade se faz segundo o que Freud denominou “narcisismo das pequenas diferenças” e René Girard de “rivalidade mimética”. Todos desejam as mesmas coisas porque um outro já as desejou antes de nós e é seu possuidor, devendo, como concorrente, ser destruído.

A justiça moderna investigava a “verdade” para estabelecer o dano e a reparação. A pós-moderna preocupa-se apenas com a formalidade das condições em que ela veio a público. Não que prescinda da lei, mas a cumpre no âmbito de insegurança jurídica, dando espaço a ilegalidades. De onde a objectividade do mundo ter-se convertido em negociações entre vítima e juiz, de que decorrem os pedidos de indemnização material. Tudo se torna objecto de legislação: assédios, discriminações raciais, religiosas, de sexo, no espaço público, na esfera privada e da intimidade. Nos EUA, a legislação anti-tabagista ingressa no recinto da própria residência do fumante, que pode ser denunciado por familiares ou vizinhos descontentes.

A ideia de igualdade pós-moderna é a da proliferação de regulamentações, adaptadas ao consumo de direitos em uma sociedade que não é mais moderna - a do contrato social - mas pós-moderna - a da guerra de todos contra todos. A democracia pós-moderna associou política e dissimulação, resultando o prestígio da "sinceridade". Assim, se a política moderna se exercia na "distância" do governante no espaço público, a pós-moderna é a da intimidade mediática que exibe o "autêntico". O representante político é construído como "homem comum", com seus vícios e virtudes, para ser amado ou odiado. Aqui operam os mecanismos de massa que fazem do governante o “bode expiatório”, como mostram Michel Aglietta e André Orléan em "A Violência da Moeda".

A igualdade moderna supunha diferenças - sexuais, étnicas, raciais ou religiosas - a serem reconciliadas, a pós-moderna as estabelece positivadas. Nessa entidade sedentária, há o direito à diferença mas visando a igualdade de inclusão social no mercado onde sobrevive o mais “apto” a conquistar seus “ privilégios” (privus lex, private legus, sendo, justamente, “lei privada”, o “favor” no direito medieval europeu). O mercado requer dissolução da individualidade, compreendida como obstáculo ao consumo e ao mercado padronizador. De onde o fim da diferença - entre as gerações, entre os sexos, entre a linguagem oral e a escrita, entre os comportamentos formais e os informais.

Todos cedem à palavra de ordem “flexibilidade”, a primeira e a última qualidade que o mercado exige de cada um.

Olgária Mattos filósofa, professora titular da Universidade de São Paulo.



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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A construção social do gosto

Japan: Tasting room, 3Image by kevin (iapetus) via Flickr


António Campos

«É esta sucessão de experiencias, onde avulta a marca da classe a que se pertence, que molda a forma como, em cada momento percepcionamos e apreciamos as coisas e as pessoas e como agimos perante elas. Tal como a diferentes condições de classe correspondem diferentes sistemas de disposições também as práticas dos membros de uma mesma classe tendem a ser idênticas entre si e distintas das práticas dos membros de outras classes (...).

Bourdieu vai testar este modelo teórico investigando empiricamente um tipo de práticas que, aparentemente, não obedecem a qualquer regularidade social- o gosto. Com efeito, é comum a ideia de que as apreciações e as preferências de cada um, nos mais variados planos, dependem apenas de factores de ordem individual e que cada pessoa tem um padrão de gosto singular, não sujeito a condicionamentos sociais de qualquer género.

No entanto, Bourdieu consegue mostrar, de forma muito convincente, que esses condicionamentos sociais existem em larga escala e que há similaridades e diferenças de gosto entre as pessoas que estão directamente relacionadas com as respectivas condições de classe. Através do estudo sistemático 'dos estilos de vida da população francesa, isto é, das suas práticas e consumos em campos variados como a alimentação, o vestuário, a decoração da casa, a música, o cinema, a frequência de museus, a televisão, mas também das suas maneiras de falar e de receber em casa ou das suas opiniões a respeito da política e da sexualidade, entre muitos outros aspectos, Bourdieu chega à conclusão de que gostos comuns tendem a corresponder a pertenças de classe e a trajectórias sociais comuns e gostos diferentes a pertenças de classe e a trajectórias sociais diferentes.»

João Ferreira de Almeida, (adaptado)


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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Podemos pensar no fim da globalização

Globalization has had an impact on different c...Image via Wikipedia


António Campos

O fim de uma era

Nas suas respostas à actual crise económica, os governos falam à boca pequena de coordenação global, mas incentivam programas separados de estímulo económico para revitalizar os seus mercados nacionais. Ao fazê-lo, os governos adiaram o crescimento orientado para a exportação, motor principal de tantas economias, rendendo ainda tributo de rigor à promoção da liberalização comercial como meio de contrariar o afundamento global concluindo a Ronda Doha de negociações comerciais sob os auspícios da Organização Mundial de Comércio.

Reconhece-se cada vez mais que não há possibilidade de regressar a um mundo centralmente dependente do gasto ilimitado dos consumidores norte-americanos, visto que estes se escondem na bancarrota e ninguém se apresenta a ocupar o seu lugar.

Para além disso, seja mediante acordos internacionais ou unilateralmente executadas por governos nacionais, é mais seguro que se imponha um montão de restrições ao capital financeiro, à desbragada mobilidade daquele qual foi o detonador da presente crise.

No entanto, o discurso intelectual não mostrou demasiados sinais de ruptura com a ortodoxia. O neoliberalismo, com a sua ênfase no livre comércio, a primazia da empresa privada e um papel minimalista do Estado, continua sendo a língua franca dos fabricantes de políticas.

Os críticos do fundamentalismo de mercado que pertencem ao establishment, incluindo luminárias como os Prémios Nobel Joseph Stigitz y Paul Krugman, emaranharam-se em intermináveis debates sobre o grau de duração que devem ter os programas de estímulos e sobre se o Estado deveria manter a sua presença intervencionista na indústria automóvel e no sector financeiro, ou, se, uma vez conseguida a estabilização, deveria devolver as companhias e os bancos ao sector privado. Além disso, alguns, como o próprio Stiglitz, continuam a crer no que eles entendem como benefícios económicos da globalização, na condição de reduzir os seus custos sociais.

Mas as tendências em curso estão transbordando a toda a velocidade tanto aos ideólogos da globalização neoliberal como a muitos dos seus críticos, e desenvolvimentos impensáveis há poucos anos vão ganhando vida. "A integração da economia mundial está em retrocesso prático por toda a parte", escreve The Economist. Ainda que a revista observe que as corporações empresariais continuam crendo na eficácia das cadeias de oferta global, "como qualquer cadeia, estas são tão fortes como o seu elo mais fraco. O momento perigoso chegará quando as empresas decidirem que este modo de organizar a produção chegou ao seu fim".

A "desglobalização", um termo que The Economist me atribui, é um desenvolvimento que a revista, o primeiro bastião mundial da ideologia do livre mercado, considera como negativo. No entanto, creio que a desglobalização é uma oportunidade. Com efeito, os meus colegas de Focus on the Global South e eu fomos os primeiros a propor a desglobalização como um paradigma geral para substituir a globalização neoliberal. E fizemo-lo há uma década, quando as tensões, as pressões e as contradições que esta trouxe consigo se tornaram dolorosamente evidentes.
Elaborado como uma alternativa, sobretudo para os países em desenvolvimento, o paradigma da desglobalização não deixa de ser pertinente para as economias capitalistas centrais.

Os 11 pilares da alternativa

O paradigma da desglobalização tem 11 pontos chave:

• A produção para o mercado interno tem que voltar a ser o centro de gravidade da economia, antes da produção para os mercados de exportação. • O principio de subsidiariedade deveria respeitar-se como um tesouro na vida económica, promovendo a produção de bens à escala comunitária e à escala nacional, se tal se puder fazer a custo razoável, a fim de preservar a comunidade.
• A política comercial – quer dizer, excedentes e tarifas— tem que servir para proteger a economia local da destruição induzida por mercadorias subsidiadas por grandes corporações com preços artificialmente baixos.
• A política industrial –incluídos os subsídios, tarifas e comércio— teria que servir para revitalizar e robustecer o sector manufactureiro.
• Algumas medidas, sempre adiadas, de redistribuição equitativa da renda e redistribuição da terra (incluindo uma reforma do solo urbano) poderiam criar um mercado interno vigoroso que serviria de âncora da economia e geraria os recursos financeiros locais para o investimento.
• Dar importância ao crescimento, dar importância à melhoria da qualidade de vida e maximizar a equidade reduzirá o desequilíbrio ambiental.
• Propiciar o desenvolvimento e a difusão de tecnologia que se conjugue bem com o meio ambiente, tanto na agricultura como na indústria.
• As decisões económicas estratégicas não podem entregar-se nem ao mercado nem aos tecnocratas. Em seu lugar, deve-se aumentar o raio de alcance da tomada democrática de decisões na vida económica, até que todas as questões vitais (como quais as indústrias a desenvolver ou condenar, que proporção de orçamento público se deve dedicar à agricultura, etc.) estejam sujeitas a discussão e a eleição democráticas.
• A sociedade civil tem que controlar e fiscalizar constantemente o sector privado e o Estado, um processo que deveria institucionalizar-se.
• O conjunto institucional da propriedade deveria transformar-se numa "economia mista" que incluiria cooperativas comunitárias, empresas privadas e empresas estatais e excluiria as corporação transnacionais.
• As instituições globais centralizadas, como o FMI e o Banco Mundial, deveriam ser substituídas por instituições regionais fundadas, não no livre comércio e no livre movimento de capitais, mas em princípios de cooperação que, para usar as palavras de Hugo Chavez na sua descrição da Alternativa Bolivariana para las Américas (ALBA), "transcenda a lógica do capitalismo".

Do culto à eficiência à economia eficaz

O propósito do paradigma da desglobalização é superar a economia da eficiência estreita, cujo único critério chave é a redução do custo por unidade, para não falar na desestabilização social e ecológica que o processo induzido pelo respeito supersticioso desse critério traz consigo. É superar um sistema de cálculo económico que, nas palavras de John Maynard Keynes, "converte todo o comportamento vital… numa espécie de paradoxal pesadelo de contadores". Uma economia eficaz, pelo contrário, robustece a solidariedade social subordinando as operações do mercado aos valores de equidade, justiça e comunidade e alargando a esfera do processo de tomada democrática de decisões. Para utilizarmos a linguagem do grande pensador húngaro Karl Polanyi no seu livro “A grande transformação”, para a desglobalização é mais importante como "reincrustar" a economia na sociedade, do que deixar a sociedade abandonada ao controlo da economia.

O paradigma da desglobalização sustenta também que um modelo unidimensional extremista, como o neoliberalismo ou o socialismo burocrático centralizado, é disfuncional e desestabilizador. Em contrapartida, haveria que esperar e incentivar a diversidade, como na natureza. A teoria económica alternativa tem princípios compartilhados, e esses princípios apareceram já substancialmente na luta contra e na reflexão crítica sobre o fracasso do capitalismo e do socialismo centralizados.

No entanto, a articulação concreta desses princípios – os mais importantes dos quais acabam de ser mencionados — dependerá dos valores, dos ritmos e das opções estratégicas de cada sociedade.

O pedigree da desglobalização

Ainda que possa soar a radical, o certo é que a desglobalização não é nenhuma novidade. O seu pedigree inclui os escritos do eminente economista britânico Keynes, que, no momento culminante da Grande Depressão, ousou deixar dito isto: "Não desejamos… estar a mercê de forças mundiais que geram, ou tratam de gerar, algum equilíbrio uniforme, de acordo com princípios de capitalismo de laissez faire". Com efeito, prosseguia, para "um leque crescente de produtos industriais, e talvez também agrícolas, levantou-se-me a dúvida de o custo económico da auto-suficiência ser bastante grande para contrabalançar as outras vantagens resultantes de reunir gradualmente o produtor e o consumidor no âmbito da mesma organização nacional, económica e financeira. Acumula-se a experiência que comprova que o grosso dos processos da moderna produção em massa pode executar-se na maioria dos países e na maioria dos climas com uma eficiência praticamente idêntica".

E com palavras que soam muito contemporâneas, concluía Keynes: "Eu simpatizo… mais com os que queriam minimizar do que com os que queriam maximizar a trama da conexão económica entre as nações. As ideias, o saber, a arte, a hospitalidade, as viagens; todas essas coisas deveriam, pela sua própria natureza, ser internacionais. Mas deixemos que os bens se produzam em casa quando isso seja razoável e convenientemente possível; e sobretudo, deixemos que as finanças sejam prioritariamente nacionais."

Walden Bello (adaptado)

Dez.2010

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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Concertos

Bon Jovi Concert StageImage by Anirudh Koul via Flickr


António Campos

Os grandes concertos, dizem os adolescentes, realizam-se em Alvalade. De entre os actuais ritos de passagem que caracterizam a passagem para uma relação mais autónoma com os pais e prenunciam a chegada da idade adulta, este é sem dúvida dos mais importantes. Quando um jovem começa a sair à noite, porque a série americana da televisão lhe diz pouco, (...), vai chegar o dia em que se vai confrontar com os pais para falar do próximo concerto em Alvalade.

É muitas vezes um momento difícil para uma família. O filho sabe o que os pais pensam sobre os grupos modernos, já está habituado a ouvir comentários da mãe sobre o uso de drogas pelos cantores, não pode esquecer como o pai chama a todos «amaricados». Às vezes passa-lhe pela cabeça nada dizer, inventar uma desculpa qualquer e chegar a casa logo a seguir ao concerto... Os pais vêem a publicidade, os vídeo-clips da televisão ou ouvem conversas que os deixam ansiosos.

Descrições de concertos anteriores, onde existiu droga e violência, não podem tranquilizá-los. As biografias dos heróis das bandas rock são inquietantes, os concertos são caros, os discos fazem um barulho enorme para os pais cansados do trabalho. Um adolescente normal não se identifica com um agitado cantor rock. Interage com ele, projecta no artista alguns dos seus impulsos e sobretudo vive a magia de estar em grupo com os amigos. Para alguns jovens, é o primeiro contacto com o haxixe fumado mais ou menos às claras, ou com uma desinibição afectivo -sexual que não é permitida na escola secundária.

A evasão que a música e o estádio de futebol permitem faz saltar, por vezes, aquele adolescente que sentia o corpo a transformar-se, que não conseguia manifestar bem alto a inquietação. Ou possibilita um encontro mais íntimo a um grupo - pessoas podem-se tocar à vontade - ou a aparente companhia para quem está só, como tantas vezes sucede na adolescência.

Há uma magia muito especial nestas noites. A luz, a música, o estar livre, o ir em grupo, o poder gritar com força aquilo que só se diz em segredo, faz com que seja importante para o adolescente não ficar em casa quando o desafiam a ir também. Quando não há bilhetes, inventam-se estratégias divertidas, como aquele casal de jovens namorados que mostrava um cartaz criativo, a solicitar que alguém com ideias arejadas vendesse um bilhete. Muitas vezes entra-se à borla, de empurrão, por um porteiro inexperiente, ou após uma série de histórias contadas sem cessar. O importante é estar, às vezes mais até que a própria música ou o que se combinou anteriormente.

Daniel Sampaio, Inventem-se Novos Pais, (adaptado)


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