segunda-feira, 1 de março de 2010

A cultura – conceitos gerais

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António Campos

Em 1871, o etnólogo americano Edward Tylor definia a cultura como «aquele conjunto de elementos que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, usos e quaisquer outras capacidades e costumes adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade» (Ty1or, 1871). É esta uma das primeiras tentativas para uma definição científica de cultura, ou de elaboração de um conceito capaz de delimitar de um modo suficientemente rigoroso o âmbito dos fenómenos culturais enquanto objecto de análise das ciências sociais.

Na realidade, o termo cultura, como constataremos ao longo deste trabalho, presta-se a muitas e diversas interpretações. Em 1952, Alfred Kroeber e Clyde Kluckhohn, desenvolvendo uma análise histórico-crítica das definições de cultura propostas pelos especialistas das ciências sociais, puderam inventariar mais de cento e cinquenta. Kluckhohn tentou sintetizar na lista que se segue os diferentes tipos de definição da cultura: 1) o modo de viver de um povo na sua globalidade; 2) a hereditariedade social que um indivíduo adquire no seu grupo de pertença; 3) uma maneira de pensar, sentir, crer; 4) uma abstracção derivada do comportamento; 5) uma teoria elaborada pelo antropólogo social sobre o modo como efectivamente se comporta um grupo de pessoas; 6) a globalidade de um saber colectivamente possuído; 7) uma série de orientações generalizadas relativamente aos problemas recorrentes; 8) um comportamento aprendido; 9) um mecanismo para a regulação normativa do comportamento; 10) uma série de técnicas que permitem a adequação, quer ao ambiente circundante, quer aos outros homens; 11) um aglomerado de história, de um mapa, de uma peneira, de uma matriz (cf. Kroeber, 1952; Kroeber-Kluckhohn, 1963; Kluckhohn, 1949;
Geertz, 1973, pp. 40-41).

Como vemos, os tipos de definição variam na medida em que se coloca a tónica sobre a dimensão subjectiva da cultura ou sobre a presença do aspecto humano referente aos valores, modelos de comportamento, critérios normativos interiorizados (modos de pensar, sentir, crer; orientações estandardizadas; mecanismos de regulação do comportamento, etc.), ou ainda sobre o carácter, por assim dizer objectivo, que as formas culturais assumem enquanto memória colectiva ou tradição codificada e acumulada no tempo (hereditariedade social, depósito do saber, das técnicas, composto de história, superfície geográfica). Enfim, outras definições tendem a sublinhar que o conceito de cultura não passa de uma abstracção que permite ao cientista social orientar a sua investigação.

Os diversos elementos que surgem condensados no termo cultura fazem ressaltar, por um lado, a dimensão descritiva e cognitiva da cultura; as crenças e as representações sociais da realidade natural e social, ou as imagens do mundo e da vida, que contribuem para explicar e definir as identidades individuais, as unidades sociais, os fenómenos naturais; por outro, a dimensão prescritiva da cultura, enquanto conjunto de valores que indicam os objectivos ideais a prosseguir, e de normas (modelos de acção, definição dos papéis, regras, princípios morais, leis jurídicas, etc.), que indicam o modo segundo o qual os indivíduos e as colectividades devem comportar-se.

Ambas as dimensões, a descritivo-cognitiva e a prescritiva, encontram-se quase sempre intimamente ligadas, enquanto o elemento normativo acha uma justificação nas crenças e nas representações, porquanto estas surgem reforçadas pelos processos de construção da realidade, influenciados pelas prescrições normativas. Além disso, a cultura apresenta-se como tradição, isto é, como possibilidade de um acumular das experiências, enquanto depósito da memória colectiva.

A dificuldade de estabelecer de um modo preciso o conceito de cultura encontra-se ligada à complexidade apresentada por este mesmo fenómeno e, caso não se pretenda apresentar uma definição redutora, será necessário tomar em consideração os diversos elementos que o compõem. Um contributo decisivo neste sentido decorreu das diferentes abordagens teóricas e metodológicas a partir das quais a sociologia da cultura se tem vindo a articular.

Porém, antes de entrarmos no campo dessas diferentes interpretações, será útil recordar as origens históricas do conceito científico de cultura, e, em seguida, esclarecer algumas categorias gerais que se encontram na base da função simbólica produtora de cultura. Além disso, a fim de se compreender a função dos modelos teóricos considerados, será também necessário evidenciar o tipo de relação existente entre a dimensão teórica e a da pesquisa empírica.

In Manual de Sociologia da Cultura, de Franco Crespi (adaptado)


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