quarta-feira, 28 de março de 2012

De sujeitos e relações sociais

More Than Words (Mark 'Oh album)
More Than Words (Mark 'Oh album) (Photo credit: Wikipedia)


António Campos



O maior capital deste mundo: as palavras e o conteúdo delas. As palavras são e formam conhecimentos que nos permitem manter, respeitar e transformar este mundo”.
(Fabio Savatin)

Avançamos muito na qualificação de nossas relações sociais e interpessoais. Aprendemos, com muito esforço e dedicação, a nos relacionar de forma mais democrática e mais dialógica, mas ainda convivemos com práticas que tentam impedir que, de forma autêntica e autónoma, as pessoas possam decidir, falar e viver a partir de suas escolhas, de suas possibilidades de autodeterminação. Por isso mesmo, ainda temos muito a aprender na perspectiva do respeito e consideração de uns para com os outros, tendo em vista uma sociedade mais democrática. Como sujeitos sociais, vamos fazendo parte do mundo, pelas relações de autonomia e interdependência.

O nosso maior capital social são as palavras. As palavras expressam a nossa forma de ver, crer, encarar e viver a vida pessoal, como também a vida comunitária. Como sempre expressam conceitos, as palavras precisam de vigilância social para que não reforcem preconceitos ou ideários que não colaboram com a qualidade da vida social que queremos ou desejamos. Porque vivemos em permanente conflito e tensão pela hegemonia das ideias, sempre corremos riscos com as armadilhas da instrumentalização, como escreve Rosa Clara Franzoi, em artigo Decidir com Liberdade (Rev. Missões, Ano XXXIX, Jan/Fev 2012): “Hoje o ser humano é incrivelmente instrumentalizado. A pessoa é usada e levada a agir com a cabeça dos outros. Na instrumentalização a pessoa é vista como peça que se descarta quando perde a utilidade. Se isto acontece com todos, as maiores vítimas são os jovens”.

A coerência entre o que falamos e vivemos é sempre o nosso maior trunfo para sermos respeitados diante dos demais. Manter a coerência é um dos maiores desafios da vida social, diante das inúmeras situações que estão sempre a nos exigir posicionamentos, por vezes em situações muito adversas. Por isso mesmo, quanto maior for a nossa incidência na vida social, seja como líderes ou representantes de categorias ou instituições ou como representantes eleitos, mais seremos observados e cobrados pelo exercício da coerência. Aqueles ou aquelas que não compreenderem esta condição terão muitas dificuldades em exercer liderança.

Para ser sujeito social precisamos de uma condição essencial: a liberdade de comunicar. Por isso mesmo, a comunicação precisa ser democratizada em todos os sentidos, meios e possibilidades, sobretudo para aqueles e aquelas que não tem voz, portanto, impedidos de falar. Não há razões para temer os que de forma autêntica e autónoma, decidem falar e viver a partir de suas escolhas, de suas possibilidades de autodeterminação.

Todos nós, ao tornarmos nossos posicionamentos públicos, assumimos o risco de sermos cobrados pela nossa coerência. Todos nós, ao respeitarmos as ideias e ideários dos outros, estaremos colaborando para a sua emancipação pessoal e social. Todos nós, ao confrontarmo-nos com os diferentes pensamentos, estamos aperfeiçoando a nossa condição de sujeito social. Cada um, a seu modo e a seu tempo, deve ter a oportunidade de se dizer e, ao se dizer, ter a oportunidade de viver de forma autêntica, autónoma e cidadã.

Nei Alberto Pies, professor e activista de direitos humanos
Descrição: https://blogger.googleusercontent.com/tracker/2892583358043178282-7311759585832106908?l=boletimodiad.blogspot.comMarço.2012


Enhanced by Zemanta

quinta-feira, 22 de março de 2012

A greve

the fog of fun
Image by onkel_wart (busy) via Flickr


António Campos


Vivo hoje uma duplicidade de pensamentos e de sentimentos, simultaneamente contraditórios, mas também a meu ver, legítimos.

Por um lado, compreendo o direito à indignação e até mesmo à revolta, pelo estado a que os nossos governantes, os responsáveis políticos e as elites económicas, num passado recente e no presente, vão conduzindo o país, ou seja, à falência e à ruína quase anunciadas.

Por outro, entendo que mais uma greve nesta conjuntura tão difícil, vai afundar ainda mais o estado já tão depauperado em que nos encontramos.

Que futuro se nos depara?

quarta-feira, 21 de março de 2012

Simplicidade voluntária - para ter um estilo de vida com alma e sustentabilidade

Duane Elgin - GreenFestival 2010
Duane Elgin - GreenFestival 2010 (Photo credit: Franco Folini)


António Campos



Há algumas décadas atrás, falou-se ao de leve no mundo ocidental no apelo à simplicidade voluntária. Um pensador, escritor e orador consagrado, de nome Duane Elgin, fazia apelo a uma vida simples em contra posição à pressa da sociedade industrial, à imagem de sucesso desencadeada nos cidadãos mediante um consumo desenfreado e exponencial.

Em 2010, Duane Elgin reorganizou tudo quanto escrevera dado que se tinha operado uma mudança sísmica nos estilos de vida havendo necessidade de remexer de alto abaixo na simplicidade voluntária. O seu livro já está publicado entre nós: “Simplicidade Voluntária”, por Duane Elgin, Estrela Polar, 2010. Di-lo, com meridiana clareza, na apresentação do seu novo livro: “Nos anos 70, o público preocupava-se pouco com as mudanças climáticas, as grandes fomes, a falta de água e de energia e outras coisas mais. Vivia-se centrado no curto prazo. Mais de 30 anos depois, estes problemas já não pertencem a um futuro distante. Representam um desafio crítico à comunidade humana, agora.

Quanto mais de perto olhamos, mais forte é a evidência em como a família humana excedeu a capacidade da Terra para sustentar os seus actuais níveis de consumo, já para não falar nos que se prevêem para o futuro. São necessárias mudanças dramáticas e globais para evitar um futuro de calamidade imensas”. Duane Elgin considera que a nova sabedoria económica está consciente que consumir moderada, diversa e inteligentemente gera empregos sustentáveis e saúde mundial a longo prazo. A simplicidade foi até agora definida como aquilo para que serve e não aquilo a que se opõe. A nova simplicidade tem que se impor como um processo voluntário, uma escolha consciente, baseada em motivos muito fortes: uma relação mais harmoniosa com a Terra; ser um instrumento promotor de justiça e de aumento de recursos disponíveis para as gerações futuras. Nesse contexto, a simplicidade voluntária não é um sacrifício, é uma deliberação de ter uma vida com sentido, com uma ligação mais estreita com a natureza e recorrendo a uma abordagem integrada da vida.

O autor desmonta os conceitos errados postos a circular sobre a vida simples: a simplicidade não significa pobreza, já que a pobreza involuntária gera uma sensação de impotência enquanto as escolhas alimentares simples decorrem de um envolvimento criativo (aqueles que escolhem uma vida simples procuram um equilíbrio criativo e estético entre a pobreza e o excesso); a simplicidade não significa vida rural, para ser simples não é preciso regressar à terra, morar dentro de um bosque, numa cabana, o que está em causa é saber tirar todas as potencialidades do sítio onde se vive, adaptando-se criativamente a um mundo em rápida mudança; simplicidade não significa vida feia, um primitivismo onde se nega o valor da beleza e da estética, pelo contrário a simplicidade revela o sentido estético ao libertar as coisas de estorvos artificiais; a simplicidade não significa estagnação económica pois, apesar de ser verdade que o nível e os padrões de consumo serão diferentes numa sociedade que valoriza a sustentabilidade, numa economia amiga da Terra, não haverá falta de oportunidades de emprego, a economia orientar-se-á para necessidades que não inflacionarão artificialmente os desejos dos consumidores.

A tese dos anos 70 sobre a simplicidade voluntária foi concebida num mundo com petróleo barato com muito menos população e um clima muito mais estável, estando a abundância fundamentalmente concentrada nos países superindustrializados. É hoje muito elevado o número daqueles que sabe que a terra é um sistema único e que nós já ultrapassámos o seu limite de regeneração. É por isso que é urgente inventarmos novos estilos de vida que sejam sustentáveis. A sustentabilidade não tem regulamentos padronizados ou normas rígidas, há por aí milhões de pessoas a improvisar estilos de vida menos agressivos recorrendo a pequenas acções do dia-a-dia. Optar por uma vida mais leve quer dizer muita coisa: encontrar um equilíbrio saudável entre a experiência interior e a sua expressão exterior no trabalho, consumo, relacionamentos; alcançar um nível de independência e autodeterminação muito superior numa sociedade de massas; estabelecer relações mais cooperantes e amigáveis; aprender a lidar com a poluição ambiental e a escassez de recursos, por exemplo. Para Duane Elgin, o caminho para uma vida simples é conseguir mudanças para se passar de consumidor a conservador; é um crescimento interior, um processo de aprendizagem da tranquilidade natural da mente. A pessoa que procura a simplicidade encontra novas riquezas (a começar pelo aprofundamento das relações), ganha gosto por se inserir na sua comunidade e nas suas múltiplas actividades. O autor observa: “Enquanto a perspectiva política tradicional das nações industriais do Ocidente tende a enfatizar os interesses nacionais, as preocupações materiais e o uso de violência nas relações com o exterior, a política da simplicidade tende a dar importância aos interesses do planeta, às considerações equilibradas do desenvolvimento material e espiritual”.

Esta simplicidade pode manifestar-se de muitas maneiras: um ganha-pão com significado; o sentimento de uma satisfação interior, viver mais conscientemente, descobrindo os prazeres na harmonia entre o bem-estar, o crescimento pessoal, as relações sociais fortes, a disponibilidade para servir os outros e a ligação à Natureza. Pensando concretamente no consumo, é importante que cada um decida o que é “suficiente”, aprendendo a compreender a diferença entre desejos e necessidades (necessidades são as coisas essenciais à sobrevivência e ao crescimento e os desejos são as coisas extra). A generalizarem-se os princípios da simplicidade, a humanidade ganhará em paz e desenvolvimento, será mais fácil reduzir a pobreza, encontrar soluções para a ruptura climática, substitutos do petróleo e respeitar a biodiversidade, em suma dar luta sem tréguas à pegada global insustentável.

Corremos sérios riscos de reagir defeituosamente à crise mundial em que vivemos, por exemplo procurando soluções de fuga ou sentirmo-nos impotentes ou negarmos as tensões actuais, minimizando-as e considerando que as coisas irão voltar rapidamente ao normal. É preciso encontrar a sabedoria necessária para atravessarmos este período crucial. A propósito do consumismo, observa Duane Elgin: “O consumo e a exploração da Terra são resultados directos e previsíveis do paradigma de um universo não vivo. Em alternativa, se o encararmos como um sistema vivo, então é apenas natural que procuremos a felicidade no sumo da vida, nas relações com os outros, com a natureza e connosco. Vivendo num universo vivo, tentaremos naturalmente reduzir os rebuliços, complexidades e confusões desnecessárias na parte material das nossas vidas”. Uma vida dedicada à simplicidade salda-se em sustentabilidade, aprendendo a cuidar e a respeitar o clima, a energia, a água, todos os recursos naturais, aprendendo a pôr em marcha o poder do amor. Sim, é possível tomar a iniciativa e sentir a responsabilidade de colaborar neste desafio de um futuro sustentável e consentido. Como diz o autor, “se vencermos o desafio de viver com maior consciência e simplicidade, espera-nos uma nova dimensão de oportunidade humana”.

Beja Santos
Jan.2011

Enhanced by Zemanta

quinta-feira, 15 de março de 2012

Consciência política e cidadania


António Campos





Vivemos uma situação de crise de que não há memória para muitos de nós. Ainda que tenhamos tido várias crises ao longo da nossa história, esta é, porventura mais complexa e de consequências ainda imprevisíveis.

É o mundo globalizado com todas as suas características. Deflagrou a crise financeira americana em 2008 que tem afectado países e continentes. A Europa, de pendor mais social no seu projecto de União Europeia e nas suas práticas políticas, tem sofrido perturbações só comparáveis na sua amplitude, ao período do pós 2ªGuerra Mundial. Os países europeus, uns atrás dos outros vão sucumbindo às exigências das elites financeiras internacionais mas também europeias, sequiosas de lucros, incompreensivelmente obtidos neste período de dificuldades económicas por todos conhecido.

O nosso país não tem sabido viver na democracia. Com o peso da influência salazarista a todos os níveis e em termos culturais, as práticas organizacionais, os partidos políticos, as elites económicas, continuam a jogar com o Povo conforme os seus interesses pessoais, partidários, sempre apoiados judicialmente. O sistema económico do país não foi salvaguardado face aos interesses externos da EU e encontramo-nos muito fragilizados e sem aparelho produtivo com um mínimo de capacidade competitiva.

O Povo, esse conjunto indefinido de pessoas que tem menos recursos económicos e que não alinha nos jogos político-partidários, é posto à margem, é sacrificado. Aconteceu no passado e continua a verificar-se claramente no presente.

Tudo isto poderia mudar se houvesse o culto da cidadania, isto é, o respeito pelos outros e considerar o interesse nacional acima dos interesses individuais, de grupos ou partidos políticos. Pelo contrário, é o inverso que acontece, onde o egoísmo e o individualismo prevalecem, emanados dos que detêm o poder nas suas mais diversas formas. Aquilo que é um direito adquirido noutras sociedades (exemplo dos países nórdicos), no nosso país é sonegado, que é o desenvolvimento social e a repartição equilibrada da riqueza produzida. Daí que as desigualdades sociais se acentuem cada vez mais e se considere isso normal e aceitável. Quem tudo tem, consegue-o na maior parte das vezes de modo pouco lícito, não quer partilhar e impede que muitos outros possam ter uma vida melhor. É o país que temos no seu pior.

Do Povo, os mais informados e esclarecidos, não devem perder essa sua independência, a sua liberdade, a sua capacidade crítica que lhes permite ver para além das aparências e denunciar todas as situações que afectem o verdadeiro desenvolvimento do país. Devem também contribuir de formas diversas para essa construção.

Devemos por isso continuar a acreditar que é possível um país melhor para nós, para os nossos filhos, para os portugueses.

É possível continuar a sonhar com um futuro melhor.


quarta-feira, 14 de março de 2012

O sucesso do professor

Teacher in primary school in northern Laos
Image via Wikipedia


António Campos



a sabedoria do professor como docente não apenas teórico

(…) Normalmente fala-se do sucesso do estudante, de como dar aulas, a paciência para se confrontar em diálogo pessoas de idades diferentes, o saber explicar matérias abruptas, pesadas, com palavras simples.
O sucesso do estudante é o sucesso do professor, quer primário, secundário ou de estudos superiores o académicos. A dificuldade não está nas formas de explicar. A dificuldade, porém o sucesso, é o professor ler matérias que gosta que o levaram a estudar o material com que trabalha. Leitura que faz com prazer e com imensa facilidade, especialmente após anos de experiência, é capaz de reparar que juntar a teoria com a prática é o maior dos sucessos.

Um dos meus orientados de tese, já Doutor em Biologia, Botânica e Educação Especial, precisava dele para resolver um problema da sua escrita. Nem a sua mulher nem a sua doutora filha em genética, sabiam onde andava. Telefonou-me finalmente e disse-me nesse dia: por acaso o Senhor Professor no me tem ensinado, especialmente para Educação Especial, que é preciso juntar a teoria com a matéria? Amanhã vou proferir uma aula de Biologia Molecular, e como sabemos tem-me dito que as algas e crustáceos são o melhor material para esse ensino. Calei, congratulei e solicitei num chá das 4 de tarde, para me poder explicar o processo e o resultado. Acabou por ser uma aula calma e tranquila, na minha casa, na qual aprendi essa paciência de procurar os meios para ensinar, os riscos de andar pelas rochas e a felicidade dos estudantes de ter as seguintes na praia de Sintra. Enquanto os aprendizes procuravam e debatiam entre a teoria ouvida em aula e a matéria encontrada.

A comparação começou entre os púberes, foi o grande sucesso do meu mais recente Doutor, Março 2008, Universidade Clássica de Lisboa. A sua mulher, Magister em Metrologia, entendia e colaborava nas medições para, juntos, explicar melhor. Nem sempre. Um casal que mora junto e trabalham junto, aos 20 anos é uma delícia, mas a uma idade mais larga que a minha, a prudência é um outro segredo do sucesso do professor, prudência transferida aos estudantes, que, na puberdade, andam sempre irrequietos. Mais um segredo do sucesso do professor: transferência ou passagem; permuta; substituição; troca; mudança entre quem está a aprender que sabe e quem pensa que já sabe.

O meu problema. Pensava que sabia, até reparar nas minhas aulas de psicologia clínica em Edimburgo, ao começo dos começos, o nosso professor ensinou a falar com o paciente com pés descalços e a travar una prova de força com os braços, quando a análise era difícil para quem estudava. Mais um segredo do sucesso do professor: saber a fisiologia das idades dos estudantes que ensina, o seu imaginário, a sua libido, os amores e um certo abandono dos estudos a partir do dia em que a puberdade acabava e começava a primeira intimidade a dois, hoje em dia, de qualquer sexo. Entender que amor, paixão e libido vão juntos e estimulam os objectivos de quem estuda. Em matérias deliberadamente organizadas como delicadas, das que não se fala, o segredo para o seu sucesso, é o professor observar os casalinhos, as seduções, as mudanças de pares dentro do mesmo ano, é para ver, ouvir e calar.

O sucesso do professor não é apenas os seus estudos e a justiça do julgamento do saber do discente, transferida em nota e em conversas a dois.

(…) O conteúdo da matéria tutorial é a teoria, como certas confidências emotivas se o professor é de confiança do estudante. Nem gritos nem reptos: conversa normal entre quem já passara pela vida e quem a está a começar. Com o aditivo de que o estudo passa pela escrita, não apenas a deliciosa leitura, escrita que começa por um título que é uma hipótese, desenvolver a teoria do texto, provar com, pelos menos dos autores o que se afirma, ou amostra dos instrumentos usados e o seu como foi o uso. O mais importante, é que o sucesso do professor passa pelo ensino de escrever em frases curtas, e textos sintéticos que sabem dizer muito.

Ser professor é um prazer e o seu sucesso, a síntese, não entrar pela vida pessoal do aprendiz de feiticeiro e, menos ainda, nos tempos que correm, ou seduzir ou se deixar seduzir, com uma libido descontrolada. Temos, como diz Freud em 1922, o Ego o eu, o Superego que observa à pessoa para se conter, e o Id ou o Isso, capacidade emotiva que comenda em nós e vigia os nossos actos. Se o professor os sabe usar, o ser humano que é fica fora e a relação é ensinar para aprender o que será o futuro da vida, especialmente em época de crises financeira. Que a ciência for de direita ou da esquerda, não tem o mínimo interesse para o sucesso de professor. As aulas são proferidas e não uma palestra às escondidas quer de colegas, quer do inspector.

O sucesso do professor é saber distinguir entre as notícias, que podem ser debatidas com ordem e argumento.

Bem sabemos que não sou um homem de fé, mas que a divindade em que se acredita nem entre nas aulas nem seja usada para manipular (….).

Raul Iturra (adaptado)
Jan. 2011




Enhanced by Zemanta

quinta-feira, 8 de março de 2012

Dia da Mulher são todos os dias

English: Portrait of a Woman Português: Retrat...
Image via Wikipedia


António Campos



Na nossa cultura este dia, 8 de Março, é simbolicamente reconhecido como o dia Internacional da Mulher, e pretende lembrar a luta de muitas mulheres para conseguir os seus direitos,…a igualdade com o homem.

Muitos direitos têm sido conseguidos ao longo dos tempos e nas mais diversas sociedades humanas, nos países desenvolvidos e em desenvolvimento.

No nosso país, com o 25 de Abril muitos desses direitos foram conseguidos e consagrados na Constituição. É importante que seja lembrada essa evolução.

Contudo, a sociedade pós-moderna e neoliberal em que vivemos continua a usar a mulher como objecto de consumo e de exploração, onde a publicidade é exemplo disso. Mas também a mulher é utilizada como símbolo de consumo em variadíssimas situações.

Há um esvaziamento dessas conquistas históricas e simbólicas e na prática continua a haver desigualdades manifestas entre homens e mulheres.

A crise em que vivemos está a acentuar ainda mais essas desigualdades.

Eis o paradoxo, uma certa alegria pela conquista de direitos pelas mulheres, uma grande tristeza pelo retrocesso verificado e pelo que ainda continua por fazer.



Enhanced by Zemanta

quarta-feira, 7 de março de 2012

Os tempos hipermodernos

Modern Times (Latin Quarter album)
Image via Wikipedia


António Campos



 “Os Tempos Hipermodernos” é uma obra de 2004, colige uma análise do pensamento do filósofo Gilles Lipovetsky, uma apreciação do próprio filósofo ao que ele entende ser uma sociedade hipermoderna, concluindo com uma entrevista ao percurso intelectual do autor da expressão “segunda modernidade” (“Os Tempos Hipermodernos”, por Gilles Lipovetsky e Sébastien Charles, Edições 70, 2011). Vejamos os grandes conceitos e problemas enunciados neste trabalho, de grande interesse para avaliar a sociedade de consumo e comunicação em que vivemos, sem prejuízo de que nos últimos 7 anos operaram-se mudanças de grande peso que obrigatoriamente afectam as teses em torno da hipermodernidade.
Primeiro, a modernidade, com a filosofia das Luzes e o cientismo do século XIX, estabeleceu uma ruptura com a maneira de olhar o futuro que até então era a antevisão da felicidade e o fim dos sofrimentos. A modernidade apostou no cidadão, no voto democrático, no parlamentarismo, no pluralismo. Esta modernidade foi confrontada com a emancipação do indivíduo, quando nasceu o consumo de massas e o hedonismo, algo que ocorreu na segunda metade do século XX. O individualismo libertou-se de normas tradicionais, estabeleceu-se com base na sedução e no narcisismo no novo patamar que Lipovetsky designa por hiperconsumo e hipermodernidade que assim designa: “Um consumo que absorve e integra as partes cada vez maiores da vida social, que funciona cada vez menos segundo o modelo de confrontos simbólicos e que se ordena em função de fins e critérios individuais e segundo uma lógica emotiva e hedonista que faz com que cada um consuma primeiro por prazer mais do que para rivalizar com o outro”.

Segundo, estes indivíduos são mais informados e mais desestruturados, mais adultos e mais instáveis, mais críticos e mais superficiais. Vivem inquietos e atemorizados, sentem-se detentores da felicidade privada recomendado por múltiplos altifalantes: os meios de comunicação social, a moda, a constelação das comunicações comerciais. E buscam a felicidade, como? Numa atmosfera de lógica consumista onde prevalecem: o princípio do livre serviço, o cálculo utilitarista, a superficialidade das relações, tudo dentro de uma lógica de reciclagem do passado. Mas cabe aqui uma advertência: o consumo não reina por todo o lado, os indivíduos não estão reduzidos ao papel de consumidores e o consumo não é em si próprio o factor determinante da homogeneização social. O fundamental a reter será que o indivíduo se sente mais dono e senhor da sua vida, os meios de comunicação social adaptam-se à lógica da moda, inscrevem-se no registo do espectacular e do superficial.

Terceiro, esta hipermodernidade sucedeu àquilo que se convencionou chamar o pós-moderno, no fundo uma reorganização do funcionamento social e cultural das sociedades democráticas avançadas. Foi uma época de perda de fé no futuro revolucionário, de desinteresse pelas paixões políticas e pelos militantismos. Foi uma época em que todos os estilos estavam na moda, assistiu-se à descompressão cool do social. Esta pós-modernidade estava a pôr termo a um período intenso dominado pelo primado ideológico-político. O que vem agora, nos tempos hipermodernos, diz Lipovetsky, está aquém da política, através das tecnologias, dos media, da economia, do urbanismo e do consumo. Já não se sonha com um futuro radioso, vivemos em permanente adaptação desprovida de horizonte de confiança e de grande visão histórica. Ele diz mesmo que a hipermodernidade multiplicou as temporalidades divergentes. Como é óbvio, nestas transições não se deita tudo por terra, há lições do passado, há conceitos que se reformulam. Não se perdeu o sentido do efémero, nem da renovação nem da sedução permanente; continuamos a viver com um sentimento de insegurança, a saúde continua a impor-se como uma obsessão de massas, continua-se a temer riscos e perigos, o terrorismo, as catástrofes, as epidemias. Há aspectos do hedonismo que estão a ser suplantados pela ideologia da saúde e da longevidade. O que nos desperta para o peso e a forma dos paradigmas actuais e da confiança que se pode depositar nesta hipermodernidade.

Quarto, estamos a antecipar-nos ao futuro, como bem ilustra a nova maneira de vermos a saúde. É verdade que nos continuamos a tratar mas nunca como hoje se viveu tão inquietado pela prevenção, pela vigilância sanitária, a medicalização da existência. Também vemos o tempo de outra maneira, ele está dependente das temporalidades heterogéneas (tempo livre, consumo, lazer, férias, saúde, educação, horários de trabalho flexíveis, reforma). O tempo é vivido como uma preocupação maior, o presente é a grande pressão que pesa sobre a vida das organizações e das pessoas. Em simultâneo com esta concepção, criou-se o hipermercado dos modos de vida, a civilização tornou-se um amplo espaço em que se quebram as sincronizações das actividades e em que há cada vez mais a construção personalizada do emprego do tempo. E por último, como diz expressamente Lipovetsky, “A cultura hipermoderna caracteriza-se pelo enfraquecimento do poder regulador das instituições colectivas e pela autonomização correlativa dos interventores sociais face às imposições de grupo, sejam elas da família, da religião, dos partidos políticos, das culturas de classe”. E é por isso nunca como hoje se procurou preservar a memória em tempo, parece que tudo é objecto de museu ou de celebração. Misturam-se as chamas do sagrado, conciliam-se valores religiosos, grupos e redes combinam as tradições espirituais do Oriente e do Ocidente, depois dos direitos humanos sentimo-nos atraídos pela tolerância religiosa neste hipermercado dos vectores espirituais.

Lipovetsky é prudente sobre esta nova era e as suas balizas. Limita-se a dizer: “A hipermodernidade democrática e mercantil não disse a sua última palavra: ela apenas está no início da sua aventura histórica”. Como nos convidasse a reflectir sobre o turbilhão de acontecimentos que se iniciou com a globalização e a sociedade de mercado, as novas pobrezas e novas exclusões, o crescimento dos medos, o aparato das recessões depois das falências de 2008, etc. A sua análise é subtil: o consumidor triunfante dos anos 50, anda hoje à deriva, sente-se fragmentado e desregulado. É verdade que se consome mais por si do que para ter o reconhecimento do outro. Procuram-se avidamente novas sensações; a existência pessoal exprime-se através das coisas, sempre a fugir do tédio, da repetição, sempre preocupados com o envelhecimento da vida íntima. Nestes tempos hipermodernos comprar é jogar, é comprar um pequeno renascimento no nosso quotidiano subjectivo.

Insista-se num aspecto: o mercado, o individuo e os avanços técnicos têm estado sujeitos a grandes embates nos últimos anos, as novas pobrezas e as novas exclusões mudaram de natureza e vivemos profundamente inquietos com uma recessão que não vê luz ao fundo do túnel. É certo e seguro que este conceito de tempos hipermodernos terá que ser corrigido por tudo quanto se está a passar, tal o impacto das suas relações com o emprego, o tempo e o consumo, entre outras perspectivas. Atenção ao próximo livro de Lipovetsky…

Beja Santos
Jan.2011

Enhanced by Zemanta