quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Falar de crianças

English: child playing Português: criança brin...
Image via Wikipedia


António Campos



(…) Falar de crianças, é uma temática complexa. Primeiro, porque o conceito, às vezes, é usado como substantivo para definir um comportamento, outras vezes como adjectivo se queremos denegrir indivíduos do nosso grupo social dos quais não gostamos, revelando assim a existência de um pensamento negativo sobre pessoas do nosso grupo social. Por outras palavras: é um conceito manipulável. A definição de criança pode ser complexa: não é um conceito que faça referência sempre à mesma idade, porque pode-se ser denominado criança ao nascer, nos cronológicos quatro anos, ou, como definem a lei positiva e canónica no caso português pode-se tornar a ser criança por diminuição da capacidade de entender o real ou desenvolvimento da capacidade de usar a razão.

(…) O conceito criança muda conforme é empregue nas várias ciências que falam dos mais novos, no senso comum – o mais usado – e na cultura que é referida, é dizer, muda conforme seja permitido agir dentro dum Estado, uma Nação, Etnia, ou Grupo Social tout court. Apenas pode entender-se, neste ponto, que ser criança é estar sujeito a adultos com capacidade de optar e gerir recursos que rendem lucro e mais valia, o cerne da nossa interacção social, a corrida, a concorrência entre seres humanos, ao demonstrar que se sabe mais pela maturidade da capacidade de pensar.

A lógica dos mais novos, parece-me ser, como tenho definido em outros textos, uma estrutura de ideias em processo de formação, de acumulação de ideias, experiências e formas de pensar: uma epistemologia em crescimento. A relação adulta – criança começa pela simpatia dos mais velhos ao festejar, com encorajamento e carícias, essa primeira vez que um ser humano pequeno pronuncia um som que parece palavra, ou a começar a distinguir entre os mais próximos que ama e desdenhar esses que aprende a não gostar ou dos que, emotivamente, sabe ter medo e afastar. Todos estes sentimentos, são o objecto científico do meu interesse para analisar, entender uma emotividade em crescimento, uma epistemologia em formação e assim a amar ou colocar a prudente distância. Ou, simplesmente, para a ensinar a reproduzir a nossa cultura, os nossos pensamentos, língua, costumes, amostra de amor permanente para os mais pequenos.

Ou, ao contrário, desenvolver um processo educativo que permita a sua liberdade de entender, desenvolver livremente o seu imaginário, criar uma fantasia, entender disciplina, carinho, emotividade sedutora, formas de comportamento para ser pessoa com identidade própria entre tanto ser humano diferente. Comportamento com a criança na base de processos diferenciados de tanta forma diferente de ser que existe, entre tanta cultura de várias gerações em coexistência a partir de contextos históricos diferenciados. Em síntese, a criança é uma entidade desconhecida que pensamos saber orientar porque nasce, ou, melhor dizendo, porque a concebemos na base da paixão. O tal senso comum que referia.
Eu próprio fiquei de boca aberta no dia que fui pai e adorei a minha própria criação, com um certo tremor no meu comportamento ao não saber muito bem como fazer para desenvolver uma capacidade de amar e de entendimento. Cada mês ou ano que passava, era preciso pensar e organizar uma estratégia diferente a ser empregue na minha interacção com eles, a minha cônjuge, os parentes, amigos e vizinhos e comigo próprio, processo de estrutura emotiva e material mutável dia após dia. 

O trabalho de sermos pais, a ilusão de sermos pais. Não esqueço factos que apoiam esta dificuldade da omnipotência humana, esse agir que nos faz deuses perante os nossos, mas deuses de pés de barro: ás vezes as crianças não queriam almoçar ou jantar por se terem fartado de guloseimas durante o dia. Guloseimas que dão conta do apetite, mas não de alimentação ao longo do dia. Fiquei preocupado. Qual o milagre a aplicar? Solução: íamos juntos às compras, juntos a seleccionar o que íamos comer e, se bolachas, chocolates, rebuçados eram escolhidos, eu lembrava docemente, com palavras simples por causa da idade, que a seguir íamos ter um debate sobre a compra…sem chicotadas, bem entendido, mas à distância que o carinho pela nossa criação, permite e por causa da alimentação. Perante palavras firmes, explicativas e comportamento militante do crescimento livre mas bem nutrido, os meus pequenos decidiam não escolher, começando assim a exercer domínio sobre si, a pensar, a optar(…).

É assim que entendemos as crianças? Com esse trabalho de imaginação do adulto, que nem sempre está feliz consigo próprio e os outros por causa da estreita economia que devemos aplicar para viver ou as impaciências amorosas que acontecem dentro de um grupo em permanente movimento de crescimento dentro da História? É dizer, grupo social em permanente mudança emotiva ou abstracta e material ou simbólica. Serão esses mais novos os anjos prometidos e sonhados pela paixão e a cultura social? Anjos silenciosos e submetidos aos seus adultos, que sabem cantar e recitar? Que desenham, gatinham com a baba a escorregar da dentada a nascer? Sermos pais, é brincarmos? Ou ver, ouvir e calar até a necessidade de falar para alimentar o crescimento de filhos e, especialmente, de pais.

(…) No meu pensamento, para entendermos criança, esse “subentendido”, como refiro mais á frente, esse ser que….está ai…anda por aí…berra por aí….é preciso saber ser adulto que, com serenidade e sabedoria saloia ouve, vê, cala e fala quando perguntado,… E nada mais para fazer e ser progenitor. Escolas de pais, até hoje, existem apenas as que frequenta a descendência e só para acompanhar a subordinação dos futuros cidadãos a uma lei que obriga a um comportamento regulamentado pela lei codificada e pelo costume que vive na nossa mente.

Sermos pais, é passar os nossos “concebidos” pelo saber social, com carinho e certas palavras estritas de disciplina, com compreensão que não se confessa pelos actos cometidos pelos pequenos, para comentar na mesa de jantar com calma e sinceridade aberta. Sermos pais é uma obrigação que dura apenas os anos que decorrem entre a concepção e o desenvolvimento da capacidade de entender, na inteligência dos mais novos, no seu imaginário jamais recalcado. Até esse dia em que a criança é o adulto que nos substitui enquanto nós ficamos a reorientar a nossa vida de ser pais sem filhos, quer na nossa casa, quer num lar(…).

Mas, um segundo ponto me interessa definir e entender: essa descoberta de Sigmund Freud em 1885, sobre a existência de vida libidinosa erótica no corpo e mente das crianças. Como diz um autor moderno, do nosso Século – Boris Cyrulnik, estamos em frente de pequenos patinhos vilãos. Que manipulam, que gritam, que trocam beijinhos por um objecto do seu desejo, que nos fazem correr. E, entre a concepção e o começo do entendimento, que acontece entre nós na estudada e analisada idade dos quatro anos, a paternidade/maternidade transpira, corre, cala, amua, dá carinho, tudo talvez durante o mesmo dia, ou por épocas. Às vezes, especialmente nos Séculos XX e XXI, um dos adultos pensa que este comportamento é por causa do outro cônjuge e vai-se embora e abandona sua ninhada, às vezes, para sempre. Faltou-lhe saber o que Freud andava a dizer e a desenvolver a partir de 1909(…).

O que entrego para o debate entre todos nós e para sabermos, finalmente, que a vida erótica existe desde o primeiro dia de um ser humano, que é um processo em diversos contextos, factos entre nós, crime entre outros rituais. E que muitas de denominadas “birras” das crianças que, conforme Bion, ainda não entraram no desenvolvimento da razão, pelos 4 anos de idade, são devidas a insatisfação sexual, emotiva, de sentimentos da libido. O anjo é preparado pelas Igrejas, porque é preciso tomar conta do facto mais complexo entre nós: o incesto, actividade existente faz séculos e, hoje em dia, analisada e julgada na praça pública…por nós, os encarregados de orientar a vida além do incesto do nosso lar. Sermos pais disciplinadores e educadores, é uma ilusão. Sermos pais atentos aos factos eróticos do nosso lar e especialmente à pedofilia, masturbação, violação, adultério, é, em conjunto com o incesto, o objectivo da paternidade de todo progenitor.

Raul Iturra (adaptado)
Jan.2011

Enhanced by Zemanta

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Amor, família, atracção e orientação sexual- O que mudou com a sociedade de consumo

NEW YORK, NY - MARCH 28:  (L-R) Musicians/film...
Image by Getty Images via @daylife


António Campos



A família nuclear da sociedade de consumo, criada nos anos 50 no século passado, desencadeou uma enormidade de transformações que estão longe de se considerarem cristalizadas. Terão contribuído múltiplos factores de diferente dimensão e sequência onde pesam: a chegada da pílula que separou a reprodução do prazer sexual; a crescente participação da mulher no mercado de trabalho e no sistema educativo que, passadas estas décadas, mudou a face na decisão familiar, na representação dos papéis, desde os educativos aos das decisões no consumo; a mudança de significado para o casamento, para o amor romântico, o erotismo, a fidelidade, a sexualidade feminina e a ideia de normalidade; e, não menos significativo, o salto em diante depois da psicanálise que levou ao aparecimento da sexologia que implicaram a revisão de conceitos estruturados sobre o género, identidade e orientação, também matéria aprofundada pelas ciências médicas e as ciências sociais.

Está alterada a estrutura familiar, as ideias de casamento e divórcio, vão sendo arredados preconceitos como o sexo na idade sénior. Líderes de opinião como Júlio Machado Vaz, Francisco Allen Gomes, José Gameiro e Daniel Sampaio têm conquistado alta posição na opinião pública explicando ou comentando esta sexualidade feminina, os novos desempenhos familiares, o que está em curso na identidade sexual. A mente do século XX ficou efectivamente marcada pelo “levantamento” da mulher e de inúmeras atitudes de libertação sexual a que a ascensão do individualismo deu novo impulso. Só esta luz também se pode compreender o associativismo de mulheres, o movimento homossexual e transgender, a diversidade de manifestações do comércio do sexo ou a violenta censura social sobre a pedofilia e a prostituição infantil.


“Ao Cair da Noite”, de Michael Cunningham (Gradiva, 2010), é um romance soberbo que se debruça sobre um tabu: a atracção entre dois cunhados. Escreve-se na contracapa: “Peter e Rebecca Harris, na casa dos 40 e a viver em Manhattan, aproximam-se do seu apogeu das suas carreiras em arte: ele, negociante, ela, editora numa boa revista da especialidade. Com um moderno e espaçoso apartamento, uma filha adulta a estudar em Boston e amigos inteligentes e animados, levam um invejável estilo de vida urbano contemporâneo e parecem ter todas as razões para serem felizes. Mas é então que o irmão de Rebecca surge em cena. Extremamente parecido com ela, mas muito mais novo, Ethan resolve visitá-los. Na sua presença, Peter começa a pôr em causa os artistas, o trabalho destes, a sua carreira – todo o mundo que construíra com tanto cuidado”.

É um livro intenso e devastador, caldeado pelo onírico, o apuro estético, a construção de personagens que palpitam na hesitação da identidade. Peter e Rebecca são registados, do princípio ao fim, como aquele casal que tem os problemas de toda a gente: a conciliação entre a conjugalidade e a realização profissional; os escrúpulos quanto ao modo como educaram a filha, a banalização nos actos íntimos do quotidiano. Conversam como qualquer casal, é uma comunicação que não levanta problemas entre o que pensam e como actuam. Michael Cunningham, hoje um autor consagrado e adaptado ao cinema, arrebata pela beleza como constrói esses diálogos entremeados de longos parágrafos sobre estados de espíritos ou olhares interiores, seja em torno do sexo seja sobre as preocupações à volta das suas carreiras. Ele é em galerista de média dimensão que representa artistas plásticos disputados; ela está numa encruzilhada, a publicação que orienta está a ser procurada por vários compradores. E de repente chega Ethan, conhecido na família como Mizzy, um jovem problemático. Em flashback, o autor descreve a genealogia das famílias e o seu relacionamento, é assim que Mizzy ganha contornos como ovelha tresmalhada, a preocupação de três irmãs.

A dimensão cultural é avassalada pela vida da galeria, as afinidades de Peter e o seu trato comercial com os artistas. É uma narrativa tão cativante, absorvente e quase física, entramos na trama e vivemos o dia-a-dia deste herói vacilante. Ficamos igualmente a saber que houve problemas entre Peter e o seu irmão Matthew, que era homossexual e que já faleceu. Como uma larva que cresce imperceptivelmente, a presença de Mizzy inquieta e agita Peter. É neste contexto que decorre um dos episódios mais portentosos da obra, quando Peter passeia à noite em Nova Iorque e conversa ao telefone com Bea, a sua filha, é um diálogo intenso, somos forçados a vibrar com o seu sentimento de culpa.

A atracção entre os dois homens avança para o clímax, Mizzy confessa a sua paixão por Peter, este devaneia, parece tentado a correr por essa pista perigosa, fatal sem retorno. Mizzy faz chantagem, revela perversidade delinquência. O que até agora parece um drama morno, de um insólito construído de heróis de pacotilha, ganha gigantismo no frente a frente entre Peter e Rebecca. Ele está possuído pelo sentimento de culpa, por não ter transgredido com Mizzy, pensa que Rebecca o irá repudiar por tal atitude. Não, Rebecca está desfeita porque o irmão partiu, é um toxicodependente sem remissão. Está desfeita porque o irmão disse que a adorava e o que o inibira no seu crescimento. Num diálogo patético, Rebecca não esconde a sua infelicidade e põe abertamente em causa se o casal não está à deriva. Sim, o casal está completamente nu, com o íntimo esventrado, como escreve Cunningham: “Qualquer coisa se ergue dentro de Peter, mais como uma planta a ser arrancada por uma mão invisível do que uma levitação da alma.

Ele sente raízes semelhantes a pêlos a extraírem-se da sua pele. Está a ser arrancado de si mesmo, a perder a casca do eu, daquele homem triste e faminto, da figura de acção com os olhos mal pintados e o fato de poliéster feito às três pancadas. Mas se ele tem sido uma figura ridícula, também tem sido um acólito, um amante do amor, e as suas pequenas cabriolas terrenas destinaram-se a apaziguar uma divindade, por muito disparatada e inadequada que fosse a sua oferenda”. Face a face, o casal toma conta do caminho que se percorreram até ali. Se falharam, só lhes resta tentar de novo. Talvez não seja demasiado tarde. Antes de começarem essa tentativa, Peter conta-lhe tudo o que aconteceu.

Esta é a relação tabu que Michael Cunningham pretende desvelar, uma atracção meteórica que podia ter levado um casal ao abismo. Eles têm cerca de 40 anos, estão em estado de dúvida, o álcool da verdade vai começar a agir. “Ao Cair da Noite” é uma história de sobressalto que só se pode entender à luz das transformações da sexualidade que nós teimamos em fingir que é outro lado do que deve ser a normalidade. Uma preciosidade literária em que o erotismo e a estética falam sobre o estado amoroso do nosso tempo.

Beja Santos
Jan.2011

Enhanced by Zemanta

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Corrupção na medicina moderna

Laboratorio Heel España
Image via Wikipedia


António Campos



Médicos honestos são pressionados pelos
grandes laboratórios interessados em lucro e não em saúde

O Sr. J. é advogado em São Francisco e a Sra. J. é auditora com um escritório próspero em Santa Clara. Eles têm três filhos, sendo que o mais velho tem seis anos e o mais novo tem onze meses. Como não eram pais inexperientes e histéricos, não ficaram muito preocupados com a diarréia crônica do filho mais novo, até que ela foi além dos seis meses. Procuraram o melhor pediatra das redondezas e ficaram felizes quando conseguiram que o filho fosse examinado pelo professor catedrático da Universidade Stanford, um médico experiente e muito respeitado, com pouco mais de cinqüenta anos e que falava com autoridade. Ele fez o histórico e um exame físico e disse para a Sra. J.: "Olha, querida, Jimmy está muito bem. A diarréia dele é funcional. Incomoda mais a você do que a ele. Ele só precisa de um pouco de Kaomagna; você precisa de alguns comprimidos de Valium". A Sra. J. ficou ressentida com o modo condescendente do professor, porém, mais do que isso, não se sentiu bem com o diagnóstico dele. Por meio de um amigo, ela descobriu um médico dedicado ao estudo de doenças causadas por alimentos, fatores ambientais, além de bactérias e vírus. Esse tipo de médico costuma receitar menos medicamentos e, freqüentemente, promove mudanças alimentares e ambientais no lugar de prescrever medicamentos. Ele disse: "Sra. J., pode ser que seu filho seja alérgico a leite de vaca. Vamos experimentar um simples controle alimentar por algumas semanas e ver o que acontece". Dito e feito: dois dias após a suspenção do leite, as fezes do pequeno Jimmy ficaram normais.

A Sra. J. ficou uma fera. Ela veio a mim e gritou: "Será que o Dr. da Universidade Stanford não sabe nada a respeito de alergia a leite?" Minha resposta foi: "Só posso imaginar duas razões por que o doutor não levou em consideração a alergia ao leite. Ou ele ignora a copiosa literatura publicada a respeito do assunto ou ele tem um particular interesse na distribuição de grande quantidade de medicamentos".

A saúde se tornou um negócio arquimilionário e os médicos continuam sendo os principais distribuidores dos produtos da indústria farmacêutica. À medida que aumentava o custo de desenvolvimento e comercialização dos medicamentos, os laboratórios intensificaram seus esforços para conquistar os médicos.

Houve um enorme aumento, não apenas dos custos operacionais dos laboratórios, mas também dos lucros. O aumento de lucro atraiu concorrentes, o que provocou um aumento geral da publicidade sobre medicamentos. Anúncios em periódicos médicos e revistas se tornaram atrativos, porque os noticiários vinham cuidadosamente associados a "descobertas médicas".

Esse "esforço de publicidade", que começou com presentes para médicos e estudantes de medicina, se tornou uma campanha maciça para moldar atitudes, pensamentos e diretrizes dos médicos. Os laboratórios empregam representantes para visitar os consultórios médicos e distribuir amostras grátis. Eles descrevem as indicações para esses medicamentos e tentam persuadir os médicos a usar seus produtos. Como qualquer outro vendedor, eles falam mal dos produtos de seus concorrentes, enquanto passam por cima das limitações dos seus próprios produtos. Os representantes não têm nenhuma formação médica ou farmacológica e não são fiscalizados por nenhum órgão estatal ou federal. Esse sistema de vendas teve tanto sucesso que, hoje em dia, o médico comum foi virtualmente treinado pelos representantes de laboratórios. Esta prática levou a um uso excessivo de medicamentos por parte dos médicos e por parte da população leiga. Uma recente pesquisa mostrou que, atualmente, uma em cada três internações é resultado direto do uso indevido de medicamentos vendidos com ou sem receita.

A indústria farmacêutica corteja jovens estudantes de medicina, oferecendo presentes, passagens para participação em "congressos" e "material educativo" gratuito. Jovens médicos recebem de laboratórios verbas para pesquisa . As escolas de medicina recebem grandes somas de dinheiro para experiências clínicas e pesquisas farmacêuticas. Os laboratórios oferecem regularmente jantares de gala e coquetéis para grupos médicos. Eles fornecem verbas para a construção de hospitais, escolas de medicina e institutos "independentes" de pesquisa.

A indústria farmacêutica, propositalmente, tem procurado exercer uma forte influência dentro das escolas de medicina. Na universidade, o médico é perito em doenças agudas, em doenças terminais e em modelos animais (cobaias) de doenças humanas. O médico tem pouca ou nenhuma experiência quanto às necessidades diárias de um doente crônico ou de um doente com sintomas precoces de doença grave. Como o médico acadêmico não depende da boa vontade do paciente para sua sobrevivência, o bem-estar do paciente se torna de pouca importância para ele. Esses fatores o tornam péssimo juiz da eficácia dos tratamentos e um simples peão no jogo da indústria da saúde. Com a ajuda de médicos acadêmicos de influência, os laboratórios conseguiram controlar o exercício da medicina nos Estados Unidos. Atualmente, eles estabelecem os padrões, contratando pesquisadores para fazer estudos que mostrem a eficácia de seus produtos ou desmerecem os produtos dos concorrentes.

A indústria alimentícia e a indústria farmacêutica estão intimamente aliadas. Os laboratórios freqüentemente produzem os aditivos usados nos produtos alimentícios. Várias indústrias de alimentos foram compradas pela indústria farmacêutica. Esse conglomerado muitas vezes patrocina pesquisas em universidades de grande prestígio. Um professor de nutrição da Universidade Harvard publicou vários estudos comprovando que os aditivos químicos na comida não causam hiperatividade nas crianças. Ele publicamente endossou o consumo de refrigerantes, doces e aditivos químicos na alimentação infantil, argumentando que as crianças hiperativas não devem ser tratadas com controle alimentar, mas sim com os medicamentos de rotina. ANutrition Foundation prestigiou esse cientista, fundando um laboratório, com seu nome, no campus da Universidade Harvard. A terapia de rotina para crianças hiperativas implica no uso de Ritalina, uma droga semelhante às anfetaminas. Ritalina produz dependência, pode provocar comportamento psicótico e atinge altos preços no tráfico das drogas.

Estes fatos descrevem apenas uma parte do problema. Médicos são pressionados para adotar tratamentos que eles sabem que não funcionam. Um exemplo claro é a quimioterapia, que não funciona para a maioria dos cânceres. Há mais de uma década existem provas mostrando que a quimioterapia não elimina o câncer do seio, do cólon ou do pulmão. Os estudos que relatam efeitos positivos da quimioterapia nesses tumores foram comprovadamente manipulados. A maior parte de estudos sobre quimioterapia de câncer considera os pacientes que morrem pela toxicidade dos medicamentos como "impossíveis de serem avaliados". Essas mortes não entram nas estatísticas de mortalidade. Em um conhecido documento sobre quimioterapia, os pesquisadores ignoraram as estatísticas das mulheres cujos tumores não respondiam. Apesar desta omissão clamorosa, a sobrevivência do grupo das mulheres tratadas foi apenas 12% superior ao grupo das mulheres não tratadas. Avaliando cuidadosamente o estudo original, fica evidente que a quimioterapia reduz o tempo em que viviam sem tumores?

A maioria dos médicos concorda que a quimioterapia é ineficaz para a maior parte dos tipos de câncer. Apesar desse fato, médicos honestos são forçados a usar essa modalidade de tratamento por grupos de pressão, que têm interesse nos lucros da indústria farmacêutica. Quando um médico da Califórnia prescreve5-flourouracil para um paciente com câncer no cólon, ele é recompensado. Isto acontece apesar de muitos artigos em revistas médicas de prestígio terem demonstrado que o medicamento não funciona. O mesmo médico não será recompensado ao tratar o paciente com alta dosagem de vitamina C. De fato, ele corre o risco de perder sua licença médica. Não há nada na literatura médica indicando que o tratamento nutricional de pacientes com câncer é perigoso. Por outro lado, existe vasta literatura sustentando o raciocínio científico que recomenda o uso deste tipo de tratamento.

Situação semelhante existe no campo da alergia. Médicos académicos — com o apoio da indústria alimentícia e da indústria farmacêutica — estão tentando desacreditar os pesquisadores que descobriram que a alergia a alimentos é um grande problema médico. Eles citam diversos estudos não controlados, enquanto ignoram a enorme quantidade de estudos científicos que mostram a disseminação de alergias a alimentos.

Estes são apenas alguns fatos que mostram a corrupção no campo da medicina. O médico de família deixou de ter a liberdade de escolher o tratamento que ele julga ser o melhor. Ele precisa seguir regras estabelecidas por médicos comprometidos, cujas decisões podem não ser do interesse do paciente. Você, contribuinte, eleitor, consumidor, pode ajudar a enfrentar essa corrupção. Você precisa assumir o controle sobre sua saúde. Se você não entende por que seu médico prescreve certo medicamento ou tratamento, faça perguntas. Se o médico fica impaciente ou zangado, procure cuidados médicos em outro lugar. Dê forças para o médico que usa formas não-convencionais de tratamento, sem usar medicamentos. Ele está arriscando o ganha-pão e a liberdade pessoal. Ele procura ajudar a você e não quer se acomodar aos mandamentos da indústria da saúde. Com seu apoio, ele pode se aliar a um número crescente de médicos que repudiam a tirania do complexo industrial da saúde.
_____
Dr. Alan S. Levin é médico catedrático de imunologia e dermatologia na Universidade da Califórnia, São Francisco. Ele é co-autor de dois livros, sendo um deles "A Consumer Guide for the Chemically Sensitive" (Guia do consumidor para as pessoas sensíveis a produtos químicos).

Allan S. Levin 
Jan.2011

Enhanced by Zemanta

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

As interacções sociais, a vida quotidiana, os espaços públicos

Erving Goffman
Image via Wikipedia



António Campos


Erving Goffman é um nome cimeiro da sociologia do século XX, à escala mundial. As suas investigações foram da maior importância em termos da análise de representação do Eu, das interacções sociais, dos aspectos gestuais bem como das actividades que o indivíduo desempenha junto de instituições. Contestatário, pôs em causa psiquiatria e o tratamento das doenças mentais, denunciando a alienação e a violência dos tratamentos médicos. Foi certamente o sociólogo mais influente dos anos 60 e 70 na América do Norte, soube entrelaçar a sociologia com a antropologia cultural e daí a importância indirecta que os seus livros tiveram nos estudos do comportamento do consumidor: as variáveis ambientais, o poder dos grupos, os factores de situação, enfim, análises indispensáveis para entender a decisão de compra, o peso das mitologias de consumo, a transmutação dos valores, as reticências ou abertura do indivíduo às mudanças sociais.
“Comportamento em Lugares Públicos” é o título da sua obra mais marcante, depois de “A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias”, (Relógio d’Água, 1993), data dos anos 60, é um verdadeiro clássico, por isso mesmo se saúda a sua tradução para língua portuguesa (“Comportamento em Lugares Públicos”, por Erving Goffman, Editora Vozes, 2010). É desnecessário sublinhar a importância dos lugares públicos na vida do indivíduo e da comunidade, são o somatório das ruas, parques, restaurantes, bares, discotecas, cinemas, teatros, auditórios, estádios de futebol, lojas de diferentes tamanhos e feitios, é aqui que nos cruzamos em actividades de trabalho ou lazer. Goffman não disseca o comportamento colectivo mas sim as pautas, os tiques, os gestos que são próprios do trafego humano. Escolhe espaços públicos que tanto podem ser praças como a comunidade de ilhéus ou instituições de doentes mentais. Adoptamos comportamentos adequados a uma certa realidade e, no essencial, não os queremos transgredir: uma formatura militar é o que é, tal como uma participação num funeral, um pedido de informação para encontrar uma rua, adoptamos posturas, serviços de mensagens linguísticas de códigos que provocam interacção (a não ser nos casos em queremos exibir o conflito e damos sinais de transgressão).

Sabemos o que é uma distância física, se beijamos, abraçamos ou cumprimentamos com aperto de mão. Somos educados a participar correctamente nas ocasiões sociais, mostrando que estamos compungidos, alegres, sérios; gargalhamos, não disfarçamos o prazer quando encontramos pessoas que nos são estimáveis, não fazemos alarido nas bibliotecas, respeitamos as convenções, o cortejo dos casamentos, deixamos passar o carro dos bombeiros ou a ambulância. O nosso corpo actua, exprime, submete-se a tais convenções, com disciplina ou com espontaneidade. O corpo é um mapa com vários idiomas, todo ele comunica, seja pela nossa indumentária, seja pela linguagem corporal, pela tensão ou descontracção, o nosso corpo revela como nos situamos bem, sentimos constrangimento, nos sentimos ausentes ou a mais. Cuidamos da aparência ao espelho antes de entrarmos num lugar público, graduamos os nossos cumprimentos em ambiente masculino ou feminino. E quando hesitamos quanto às regras a adoptar nesse lugar, podemos até marcar uma distância silenciosa, observamos o comportamento dos outros e então adoptamos a nossa própria atitude.
Goffman privilegia os comportamentos de atenção e desatenção, o face-a-face, o comunicar com o olhar, mas também as situações sociais em que os intervenientes precisam de se socorrer de abertura, comportamentos evasivos ou até controlados. No fundo, o que o sociólogo pretende é centrar-se sobre a ordem pública que trata da conduta dos indivíduos em presença de outros, tanto pode ser a relação em círculo social com conversa, um indivíduo está condicionado por regras mais ou menos pré-estabelecidas e é neste envolvimento que damos sinais da nossa realidade e nos constituímos como factores de situação. Em concreto, este tipo de contributos de Goffman levam a que percepção do indivíduo na sua relação com as coisas e as decisões de compra? É graças à sociologia e à antropologia que se sabe hoje que o lugar do consumo é a vida quotidiana, é nela que o indivíduo organiza o trabalho, o lazer, a família, as relações sociais, é neste espaço que se pode decifrar o comportamento do consumidor entre o privado e o público, entre o estatuto e a norma social, entre a convenção e a mudança. Outros na Europa desenvolveram outras perspectivas sobre o quotidiano. Basta citar Jean Baudrillard, Henri Lefebvre ou Roland Barthes. Porque o quotidiano é a permanente impregnação pelo e para o consumo. Neste quotidiano a retórica publicitária insinua o acto de consumir; o quotidiano é o lugar do desejo mas também o lugar em que o desejo morre na satisfação.

O nosso modo de existência colectiva ordena-se em função de um certo número de grandes instituições, que tanto podem ser as do ensino como as culturais. A sociedade de consumo onde vivemos foi uma laboriosa transferência da sociedade rural para o viver em sociedade urbana, do ambiente industrial para o dos serviços. Esta sociedade consagra-se também pelos lugares públicos que são marcados por uma complexidade e automatismos onde ordenamos a nossa comunicação e onde a nossa imagem é tão importante como o perfume ou a roupa que vestimos, a nossa autonomia é ditada pela forma como a respeitamos ou repudiamos os códigos estatutários.
É nessa perspectiva que os estudos de Erving Goffman ainda mantêm actualidade, remetendo-nos para estudos multidisciplinares onde a psicologia económica, a antropologia social e cultural e a sociologia do consumo são, entre outros, vectores que contribuem para o funcionamento do mercado, do fabrico ao consumo. Nesta perspectiva de estudo, “Comportamento em Lugares Públicos” é uma referência incontornável.
Beja Santos
Jan.2011

Enhanced by Zemanta

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A ética do amor

English: love Español: amor
Image via Wikipedia




António Campos



O acolhimento, é a actividade mais importante do amor.

(…) Falemos do comportamento mais comum e importante da vida: amar.

Se me importo por escrever sobre a ética do amor, é porque amar tem as suas regras para respeitar. Amar tem uma ética. Para começar, há vários tipos de amor, que passa pela capacidade de entrega a outro sem condições nem solicitações ou o amor à Pátria, pela que se dá a vida, o amor à terra em que se nasceu, o respeitar a família, amigos e vizinhos.

Todas estas variedades da palavra e acção de amar, têm um conjunto de regras de conduta. Especialmente, se o objecto das nossas quimeras é outro ser humano. Sentimento que se exprime no respeito às suas formas de ser, na aceitação das suas raivas e das suas palavras de consolo e de explicar o que aconteceu, quando a tormenta passa.

Nós, seres humanos, aceitamos todos estes tipos de amor e pelo tempo que possam durar. Bem sabemos que na juventude o amor é uma paixão incontrolável, que procura a satisfação da libido. Após essa satisfação, se a paixão continua, passa de imediato à definição de amor. O amor que perdura, o amor que se rende, o amor que tudo vê, ouve e cala se não for conveniente.

Não falo de mim, falo de quem me apoia e entende com paciência as dores da minha vida, as ausências, os caprichos, as doenças que matam, as doenças curadas em meia hora. Ela sabe quem é. Mais nada digo, porém: leva-me de carro, fixa a minha forma de escrita, leva-me praticamente nos seus braços, corresponde à minha paixão sem ofensa nenhuma.

É para ela este texto de poucas e suaves palavras, ditas já tarde na vida. Ela é o mármore que segura a minha vida, aceita a minha ética, ainda que pareça que mais nada tem para fazer. Ama em silêncio, não faz escândalos nem barulhos. O ideal que sempre procurei(…).

(adaptado)

Raul Iturra
Jan.2011

Enhanced by Zemanta