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António Campos
(…) Falar de crianças, é uma temática
complexa. Primeiro, porque o conceito, às vezes, é usado como substantivo para
definir um comportamento, outras vezes como adjectivo se queremos denegrir
indivíduos do nosso grupo social dos quais não gostamos, revelando assim a
existência de um pensamento negativo sobre pessoas do nosso grupo social. Por
outras palavras: é um conceito manipulável. A definição de criança pode ser
complexa: não é um conceito que faça referência sempre à mesma idade, porque
pode-se ser denominado criança ao nascer, nos cronológicos quatro anos, ou,
como definem a lei positiva e canónica no caso português pode-se tornar a ser
criança por diminuição da capacidade de entender o real ou desenvolvimento da
capacidade de usar a razão.
(…) O conceito criança muda conforme é empregue nas várias ciências que falam dos mais novos, no senso comum – o mais usado – e na cultura que é referida, é dizer, muda conforme seja permitido agir dentro dum Estado, uma Nação, Etnia, ou Grupo Social tout court. Apenas pode entender-se, neste ponto, que ser criança é estar sujeito a adultos com capacidade de optar e gerir recursos que rendem lucro e mais valia, o cerne da nossa interacção social, a corrida, a concorrência entre seres humanos, ao demonstrar que se sabe mais pela maturidade da capacidade de pensar.
A lógica dos mais novos, parece-me ser,
como tenho definido em outros textos, uma estrutura de ideias em processo de
formação, de acumulação de ideias, experiências e formas de pensar: uma
epistemologia em crescimento. A relação adulta – criança começa pela simpatia
dos mais velhos ao festejar, com encorajamento e carícias, essa primeira vez
que um ser humano pequeno pronuncia um som que parece palavra, ou a começar a
distinguir entre os mais próximos que ama e desdenhar esses que aprende a não
gostar ou dos que, emotivamente, sabe ter medo e afastar. Todos estes
sentimentos, são o objecto científico do meu interesse para analisar, entender
uma emotividade em crescimento, uma epistemologia em formação e assim a amar ou
colocar a prudente distância. Ou, simplesmente, para a ensinar a reproduzir a
nossa cultura, os nossos pensamentos, língua, costumes, amostra de amor
permanente para os mais pequenos.
Ou, ao contrário, desenvolver um processo
educativo que permita a sua liberdade de entender, desenvolver livremente o seu
imaginário, criar uma fantasia, entender disciplina, carinho, emotividade
sedutora, formas de comportamento para ser pessoa com identidade própria entre
tanto ser humano diferente. Comportamento com a criança na base de processos
diferenciados de tanta forma diferente de ser que existe, entre tanta cultura
de várias gerações em coexistência a partir de contextos históricos
diferenciados. Em síntese, a criança é uma entidade desconhecida que pensamos
saber orientar porque nasce, ou, melhor dizendo, porque a concebemos na base da
paixão. O tal senso comum que referia.
Eu próprio fiquei de boca aberta no dia
que fui pai e adorei a minha própria criação, com um certo tremor no meu
comportamento ao não saber muito bem como fazer para desenvolver uma capacidade
de amar e de entendimento. Cada mês ou ano que passava, era preciso pensar e
organizar uma estratégia diferente a ser empregue na minha interacção com eles,
a minha cônjuge, os parentes, amigos e vizinhos e comigo próprio, processo de
estrutura emotiva e material mutável dia após dia.
O trabalho de sermos pais, a
ilusão de sermos pais. Não esqueço factos que apoiam esta dificuldade da
omnipotência humana, esse agir que nos faz deuses perante os nossos, mas deuses
de pés de barro: ás vezes as crianças não queriam almoçar ou jantar por se
terem fartado de guloseimas durante o dia. Guloseimas que dão conta do apetite,
mas não de alimentação ao longo do dia. Fiquei preocupado. Qual o milagre a aplicar?
Solução: íamos juntos às compras, juntos a seleccionar o que íamos comer e, se
bolachas, chocolates, rebuçados eram escolhidos, eu lembrava docemente, com palavras
simples por causa da idade, que a seguir íamos ter um debate sobre a compra…sem
chicotadas, bem entendido, mas à distância que o carinho pela nossa criação,
permite e por causa da alimentação. Perante palavras firmes, explicativas e
comportamento militante do crescimento livre mas bem nutrido, os meus pequenos
decidiam não escolher, começando assim a exercer domínio sobre si, a pensar, a
optar(…).
É assim que entendemos as crianças? Com
esse trabalho de imaginação do adulto, que nem sempre está feliz consigo
próprio e os outros por causa da estreita economia que devemos aplicar para
viver ou as impaciências amorosas que acontecem dentro de um grupo em
permanente movimento de crescimento dentro da História? É dizer, grupo social
em permanente mudança emotiva ou abstracta e material ou simbólica. Serão esses
mais novos os anjos prometidos e sonhados pela paixão e a cultura social? Anjos
silenciosos e submetidos aos seus adultos, que sabem cantar e recitar? Que
desenham, gatinham com a baba a escorregar da dentada a nascer? Sermos pais, é
brincarmos? Ou ver, ouvir e calar até a necessidade de falar para alimentar o
crescimento de filhos e, especialmente, de pais.
(…) No meu pensamento, para entendermos criança,
esse “subentendido”, como refiro mais á frente, esse ser que….está ai…anda por
aí…berra por aí….é preciso saber ser adulto que, com serenidade e sabedoria
saloia ouve, vê, cala e fala quando perguntado,… E nada mais para fazer e ser
progenitor. Escolas de pais, até hoje, existem apenas as que frequenta a
descendência e só para acompanhar a subordinação dos futuros cidadãos a uma lei
que obriga a um comportamento regulamentado pela lei codificada e pelo costume
que vive na nossa mente.
Sermos pais, é passar os nossos
“concebidos” pelo saber social, com carinho e certas palavras estritas de
disciplina, com compreensão que não se confessa pelos actos cometidos pelos
pequenos, para comentar na mesa de jantar com calma e sinceridade aberta.
Sermos pais é uma obrigação que dura apenas os anos que decorrem entre a
concepção e o desenvolvimento da capacidade de entender, na inteligência dos
mais novos, no seu imaginário jamais recalcado. Até esse dia em que a criança é
o adulto que nos substitui enquanto nós ficamos a reorientar a nossa vida de
ser pais sem filhos, quer na nossa casa, quer num lar(…).
Mas, um segundo ponto me interessa definir
e entender: essa descoberta de Sigmund Freud em 1885, sobre a existência de
vida libidinosa erótica no corpo e mente das crianças. Como diz um autor
moderno, do nosso Século – Boris Cyrulnik, estamos em frente de pequenos
patinhos vilãos. Que manipulam, que gritam, que trocam beijinhos por um objecto
do seu desejo, que nos fazem correr. E, entre a concepção e o começo do
entendimento, que acontece entre nós na estudada e analisada idade dos quatro
anos, a paternidade/maternidade transpira, corre, cala, amua, dá carinho, tudo
talvez durante o mesmo dia, ou por épocas. Às vezes, especialmente nos Séculos
XX e XXI, um dos adultos pensa que este comportamento é por causa do outro
cônjuge e vai-se embora e abandona sua ninhada, às vezes, para sempre.
Faltou-lhe saber o que Freud andava a dizer e a desenvolver a partir de 1909(…).
O que entrego para o debate entre todos
nós e para sabermos, finalmente, que a vida erótica existe desde o primeiro dia
de um ser humano, que é um processo em diversos contextos, factos entre nós,
crime entre outros rituais. E que muitas de denominadas “birras” das crianças
que, conforme Bion, ainda não entraram no desenvolvimento da razão, pelos 4
anos de idade, são devidas a insatisfação sexual, emotiva, de sentimentos da
libido. O anjo é preparado pelas Igrejas, porque é preciso tomar conta do facto
mais complexo entre nós: o incesto, actividade existente faz séculos e, hoje em
dia, analisada e julgada na praça pública…por nós, os encarregados de orientar
a vida além do incesto do nosso lar. Sermos pais disciplinadores e educadores,
é uma ilusão. Sermos pais atentos aos factos eróticos do nosso lar e
especialmente à pedofilia, masturbação, violação, adultério, é, em conjunto com
o incesto, o objectivo da paternidade de todo progenitor.
Raul Iturra (adaptado)
Jan.2011