sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Child Come Away
Image via Wikipedia


violência ou criminalidade intra-familiar… no natal


António Campos


esbofetear crianças é mais comum do que se pensa, ainda em dia de Natal

Violência intra-familiar não é um tema fácil de abordar. Mas acontece até em dia de Natal. Pensa-se sempre que um grupo de parentes ou seres humanos relacionados entre si, por laços de consanguinidade ou de afinidade, é um grupo feliz. No seio do grupo, cabe aos adultos protegerem os mais novos  orientando-os desde muito cedo na vida, pelas sendas do amor, o respeito filial ou o respeito que os pais têm pelos filhos. Pelo menos, é assim que eu penso.

Mas a realidade parece ser outra. Não foi por acaso que coloquei a imagem de uma criança punida, com as marcas de uma bofetada recebida na sua pequena cara. Bofetada de quem se desconhece a autoria e o motivo da punição material, reflectida na cara triste e sofrida de quem não entende qual o mal que fez para receber tamanho castigo. Castigo reiterado ao longo do tempo pela pequena da imagem, e por muitas outras mais.
Essa bofetada marca pelo menos três aspectos da vida da infância. A primeira é visível e não precisa ser comentada, a imagem fala o que as palavras da pequena não sabem dizer porque as desconhece ou, ainda, porque não espera que o seu adulto a use contra ela. Essa bofetada pode ser o resultado de quem tem raiva contra si próprio e desabafa nos mais pequenos, como comenta Sigmund Freud em 1905 em húngaro, traduzido para inglês por Hoggart Press, Londres, em Obras Completas, Volume VII, 1953: Three essays on Sexuality, ou Melanie Klein em: Inveja e Gratidão (1943 em alemão, 1954 em inglês e em luso brasileiro, 1991(…).

Textos todos que defendem a criança das ameaças dos seus adultos, que esperam delas comportamentos formais, gentis e de uma responsabilidade mais além dos seus curtos anos. Este tipo de violência, é, para mim, um crime não apenas contra o seu corpo, como contra os seus sentimentos. Sentimentos que devem converter essa criança em adulto triste, deprimido e pouco feliz com a vida. E o círculo continuará a ser repetido por ter aprendido em tenra idade que os pequenos devem ser ensinados às chicotadas e sem nenhum respeito por tudo o que lhe falta saber.

Bem sabemos que a lei protege a infância com leis especiais, veja-se, para o caso português, a Lei da Protecção de Crianças e Jovens em Perigo,  Nº 147 de 1999. Até esse dia, apenas o Código Civil imperava, falando unicamente de filiação, heranças e tutorias nos artigos 1776 e seguintes, ignorando absolutamente essa realidade de trair a infância, como se na sociedade nada acontecesse em relação às punições mencionadas.
Este pequeníssimo ensaio, é apenas um rascunho do livro que preparo sobre a criminalidade intra-familiar, que é, de forma ignorante, denominada violência doméstica. Nem sempre acontece entre as famílias, mas há mais maus tratos de palavra ou de obra, do que o que a lei quer reconhecer. Andreia Sanches, diz no jornal «O Público» de 16 de Julho: 26 das 41 famílias analisadas com menores maltratados não tinham mais de quatro elementos. “A configuração das famílias é cada vez mais reduzida, há mais monoparentalidade, pode estar a haver uma degradação das condições económicas nestas famílias.”

Que fazemos nós?

Raul Iturra (adaptado)
 Dez.2010

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sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Contra a equidade

Equity (trade union)Image via Wikipedia



António Campos


Os liberais andam agora preocupados com os pobres. No Reino Unido, por exemplo, o primeiro-ministro conservador David Cameron pretende, inspirando-se no antecessor trabalhista Tony Blair, aumentar brutalmente as propinas nas universidades [1]. Tratar-se-ia de uma medida social. Com que objectivo? Impedir que todos os contribuintes paguem estudos superiores cujos «clientes» são, na sua maioria, provenientes das camadas privilegiadas. O Estado poupa; os pobres dispõem de bolsas. Há três anos, em França, o editorialista Jacques Julliard já afirmava que «a gratuitidade é um subsídio aos ricos que enviam os filhos para a universidade» [2]. Obrigar ao pagamento de propinas seria, portanto, uma reforma igualitária…

A dimensão dos défices públicos permite estender este raciocínio ao conjunto das prestações sociais, pondo em causa o seu carácter universal. Para começar, os abonos familiares:«Para lá de um certo limiar (de rendimentos), não se compreende que se receba subsídios. O dinheiro que o Estado gasta com isso é uma pura perda», reiterou o antigo ministro de direita Luc Ferry, secundado pelo antigo primeiro-ministro socialista Laurent Fabius [3]. A seguir vem a assistência médica: Alain Minc, conselheiro de Nicolas Sarkozy e apesar disso próximo de Martine Aubry, evocou o caso do pai,«hospitalizado durante quinze dias num serviço de ponta», para fingir sentir-se chocado com o facto de «a colectividade francesa ter gasto 100 000 euros para tratar um homem de 102 anos. (…) Vai ser preciso pensar em como se pode recuperar as despesas médicas feitas com os muito velhos, indo buscar uma contribuição ao seu património ou ao dos seus herdeiros. Devia ser o programa socialista a fazer esta proposta» [4]. Por fim, é a vez das pensões de reforma: o semanário liberal The Economist lamentou que George Osborne, ministro britânico das Finanças, não tenha sistematizado o seu ataque «contra o princípio do universalismo que caracteriza o sistema social. Podia, por exemplo, ter apontado os dispendiosos privilégios concedidos aos reformados independentemente dos seus rendimentos» [5].

Parece, assim, que os liberais estão agora preocupados com a «equidade» da redistribuição, depois de terem reduzido a progressividade fiscal… Já se sabe qual vai ser a sua próxima etapa, pois ela já foi experimentada nos Estados Unidos: em sistemas políticos dominados pelas classes médias e altas, a amputação dos serviços públicos e das prestações sociais torna-se uma brincadeira de crianças quando as camadas privilegiadas deixam de lhes ter acesso. Quando se chega a esse momento, essas camadas consideram que tais privilégios alimentam uma cultura de dependência e de fraude, o número de beneficiário reduz-se e é-lhes imposto um controlo minucioso. Fazer com que as prestações sociais dependam dos rendimentos significa portanto, quase sempre, programar o seu desaparecimento para todos.

Notas
[1] David Cameron quer aumentar o valor anual das propinas nas universidades de 3290 para 9000 libras esterlinas (10 600 euros), depois de Tony Blair as ter já aumentado, em 2004, de 1125 libras para 3000 libras.
[2] LCI, 7 de Julho de 2007.
[3] Respectivamente, no Le Figaro (18 de Novembro de 2010) e na Europe 1 (4 de Novembro de 2010).
[4] «Parlons Net», France Info, 7 de Maio de 2010.
[5The Economist, Londres, 23 de Outubro de 2010.

Dezembro de 2010
Serge Halimi


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