terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A anestesia pelo Blog “Ladrões de bicicletas”

Old Europe, New Europe, Core EuropeImage via Wikipedia



António Campos


Como sabemos, a política recessiva que o Governo se propõe executar em 2011 foi saudada em todos os quadrantes neo-liberais, mas com esta ressalva: só resulta se houver “reformas estruturais”. E o Ministro das Finanças pressurosamente concordou.

Mas não se trata de reformar tudo o que for preciso para tributar a “economia paralela”, aceder com rapidez às contas bancárias sempre que haja suspeita de evasão fiscal, e muito menos encerrar o “paraíso fiscal” da Madeira. Nem se trata de preparar políticas de inovação consensualizadas com os actores relevantes para promover a melhoria da competitividade das pequenas e médias empresas (a esmagadora maioria) cujos empresários têm regra geral baixas qualificações, ausência de visão estratégica e falta de lucidez para reconhecer que só teriam a ganhar em competir pela diferença. Aliás, ao defender a redução de salários, a CIP já assumiu que os empresários que representa (felizmente há excepções) apenas sabem competir com baixos custos salariais (obviamente, os carros de luxo do patrão e da família, entre muitos “outros custos”, são migalhas irrelevantes).

Não, para os neo-liberais, fazer “reformas estruturais” significa fragilizar o mais possível os que apenas têm o trabalho para viver: reduzir o poder negocial dos assalariados, aumentar a precariedade dos contratos, introduzir a arbitrariedade no despedimento, reduzir (em montante e em tempo) o apoio financeiro aos desempregados, mercantilizar a saúde, expandir os fundos de pensões para lançar os descontos no jogo da “economia casino”, privatizar os CTT, etc.
De facto, o que une a CIP quando clama pela redução dos salários no sector privado, o Ministro das Finanças quando pressiona para que se esqueça o acordo sobre o aumento do salário mínimo, a OCDE quando recorda que é preciso desmantelar negociações colectivas entre patrões e sindicatos, o FMI e decisores da UE, o que os une a todos é a ideologia neo-liberal.

Acreditam que o crescimento das economias é fundamentalmente determinado pelo que acontece do lado da oferta, em particular no mercado de trabalho. Obviamente, tratam o trabalho como qualquer mercadoria. Por isso sempre disseram que a causa do desemprego na Europa, em nível elevado já antes da presente crise, resulta da “rigidez” do mercado de trabalho e da existência de um “insustentável” Estado Providência.

Acontece que essas explicações são pura ideologia, uma amálgama de ideias inspiradas nos clássicos do século XIX (ver aqui) que nunca foram adequadamente sustentadas por estudos académicos. Para desespero de algumas mentes brilhantes que se dedicam a torturar as estatísticas até que estas validem as suas ideias pré-concebidas. Pouco lhes importa que a Grande Depressão ou a presente crise já os tenha desmentido (afinal, onde está a grande inflação com que ainda há pouco nos queriam assustar?).

Como conclui David Howell num estudo bem fundamentado onde critica a visão neo-liberal do mercado de trabalho, “Há uma explicação menos elegante mas mais convincente, … uma explicação que nos diz terem sido os trabalhadores menos qualificados que pagaram o preço de uma procura agregada débil, de reestruturações sectoriais e mudanças demográficas, da mobilidade acrescida da produção industrial e do capital financeiro, e da desregulamentação do mercado de trabalho.”

É pois com a ideologia neo-liberal que as televisões estão a tentar convencer-nos que facilitar o desemprego é bom para a economia portuguesa. É uma pena, mas tem de ser. O sacrifício dos desempregados e da classe média-baixa é necessário para aplacar os “mercados financeiros”. E se os (ainda) empregados aceitarem de bom grado descer os seus salários nominais (reparem que nunca mostram as contas), acabarão por relançar o crescimento económico … mesmo sem que haja procura!

A população está a ser intoxicada com a retórica do “é inevitável e é para o nosso bem”, ao mesmo tempo que se insinua: e se houver protestos ainda vai ser pior. É que os mercados financeiros têm aversão a manifestações. Gera incerteza sobre os ganhos esperados.
Porém, algo me diz que desta vez a anestesia vai ter mais dificuldade em pegar. É apenas uma intuição porque estamos no domínio da incerteza radical. Como se resolverá a tensão política entre a Alemanha e a periferia da UE (este artigo coloca bem a questão)? Em Portugal, e no resto da periferia, será possível converter o protesto social em alternativa de governo?

É tempo de pensar o impensável (ler isto). Ou, como diz o “Manifesto dos economistas aterrorizados”, é tempo de discutir a refundação da construção europeia.

PUBLICADA POR JORGE BATEIRA


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